VOLTAMOS AO MONOPARTIDARISMO. DE QUEM É A CULPA?
Geralmente chama-se de monopartidário o regime vigente em países que são governados apenas pela influência ou domínio absoluto ou relativo de um único partido na gestão pública. Nesses países, não existem, pelo menos de forma expressiva, outros partidos políticos. Geralmente neles não há liberdade, há apenas ditadura. Em 1994 as primeiras eleições quebraram o monopartidarismo e o cenário político nacional passou a ser multipartidário, o que estabeleceu a democracia. Desde lá, há partilha de lugares na Assembleia da República pelos partidos políticos que se supõe representarem o povo. Com essa configuração supõe-se que haja debate para a construção do país, as arbitrariedades diminuam, a liberdade dos cidadãos cresça e o bem-estar e a justiça sejam igualitários para todos.
6ªs eleições gerais
Ora, as últimas eleições trouxeram reultados pouco animadores para esse modelo já estabelecido. A Frelimo ganhou (segundo os resultados oficiais) de forma retumbante, conseguiu a eleição de dez governadores para todas as províncias, bem como a eleição de 184 deputados. De acordo com analistas conhecedores do direito, com este número de deputados e o controlo quase absoluto das Assembleias provinciais, a Frelimo poderá agir como no periodo entre 1975-1990, ouseja, sozinha poderá fazer o quorum para deliberar em sessões da AR, aprovar o plano do governo, alterar (querendo) a Constituiçãoda República e tomar muitas outras medidas necessárias sem precisar de debate multipartidário.
Poderíamos muito bem dizer que o que aconteceu é resultado de um processo eleitoral e que é normal e, por isso, confiarmos no bom senso da Frelimo para assumir essa hegemonia no espírito democrático. Entretanto, a nossa memória não nos permite ser ingénuos e pelo modo de gestão arbitrária e pouco transparente a que a Frelimo nos habituou, temos que duvidar sobre a prevalência da genuína democracia neste quinquénio.
Mas a quem podemos atribuir a culpa por este retrocesso democrático?
Quase toda a gente, ao falar da viciação dos resultados culpa a Frelimo pela sua desonestidade ao influenciar os órgãos de administração eleitoral e pelos constantes processos eleitorais não credíveis. Estamos de acordo! Mas o que muita gente não colocou em questão nem mesmo os partidos derrotados assumiram é se é possível um partido como Frelimo, tendo margens de manobra que lhe são facilitadas pelos seus adversários poder assistir o seu próprio prejuízo. Algum partido moçambicano que almeja o poder faria isso? Por que motivos 25 anos depois da democracia eleitoral, já nas sextas eleições, o que nos permitiu ter adquirido certa maturidade, a Frelimo continua a viciar resultados de forma fácil, básica, sem esforço e ganhá-las sem que ninguém se dê conta apresentando provas verídicas de viciação? Que capacidades os partidos políticos da oposiçãoe a sociedade civil não têm para contrariar a questionável manutenção no poder da Frelimo? Acho que isto tem a ver com dois problemas.
Primeiro Problema: o medo se sobrepõe ao profissionalismo
Em primeiro lugar acho que temos uma sociedade civil cobarde. A nossa democracia não se vai desenvolver enquanto os organismos da sociedade civil e os intelectuais que temos continuarem isolados entre si. São dominados pelo medo e pelo interesse porque agem separados, por isso não denunciam maus tratos, violação de direitos, detenções arbitrárias por medo de represálias. É o medo que faz com que funcionários públicos vistam a camisete vermelha e façam campanha eleitoral contra a sua vontade; é o medo que faz com que agentes da polícia ajam contra a lei e contra a sua consciência, obedecendo a ordem imoral; é o medo que leva magistrados a arquivar processos ou a arrastá-los por longo tempo, a aplicar pena suave ou a ilibar pessoas em tribunais mesmo que tenham manifesta culpa. Em suma, o medo se sobrepõe ao profissionalismo. Onde há medo não há cidadania nem democracia. É ridículo que membros da sociedade civil tenham sido mortos, encarcerados, espancados e ameaçados e ninguém ou nenhum grupo tenha feito nada. Uma sociedade civil forte e que age em bloco seria a protecção contra as arbitrariedades. Separados, continuaremos a assistir aarbitrariedades e a única coisa que conseguiremos fazer serão comentários que não vão mudar nada.
Segundo Problema: Interesse próprio
Outro problema da sociedade civil é o interesse próprio. A nossa sociedade civil está cheia de pessoas interesseiras capazes de trocar o seu patriotismo pela promessa de somas de dinheiro ou um cargo público. São críticos activos ao regime injusto, apresentam boas propostas de solução, mas apenas tenham frustrações financeiras, basta que lhes façam propostas aliciantes para trair a sua consciência e a causa patriótica.Por isso são raros críticos patriotas a favor do bem-estar social colectivo.A maior parte dos intelectuais e académicos fala e escreve a favor do partido no poder independentemente das injustiças que este tenha cometido contra o país e outros falam contra o partido no poder independentemente do bem que tenha feito em favor do Estado. Uma sociedade civil assim, sem compromisso patriótico, é incapaz de fazer uma reclamação capaz de mudar o rumo das coisas. Portanto, por causa do medo e do interesse dos cidadãos, este país já teve as piores injustiças, as péssimas arbitrariedades, os mais graves crimes de corrupção, as mais graves violações de direitos humanos e nenhuma sociedade civil foi capaz de fazer nada para devolver a moralidade. Por que motivo poderíamos pensar que essa sociedade civil seria capaz de impugnar simples eleições injustas?
Terceiro Problema: fragilidade dos partidos políticos
O terceiro problema que acho mais grave é que temos partidos políticos frágeis. As últimas duas eleições vieram provar, de entre várias coisas, que a cada vez o povo está mais democraticamente maduro do que os partidos políticos. Mudam os tempos, mudam as leis, muda a consciência dos cidadãos, mas os partidos políticos continuam os mesmos, suas acções permanecem iguais as do passado, ineficientes. É incompreensível que partidos políticos não consigam fazer a coisa básica como obedecer à lei nas suas reclamações sobre as eleições. Os partidos estão conscientes da partidarização das instituições do Estado e que por via disso osseus recursos podem ser chumbados se falharem num único detalhe na instrução do processo.Ainda não se percebe como é que com a experiência que o país tem, os partidos são capazes de atropelar ou aplicar mal um princípio básico como a observância de prazos de submissão de recursos.
Os partidos políticos deveriam estar alinhados com a consciência democrática dos cidadãos. A própria escolha de candidatos devia respeitar as exigências do contexto e não de tempo de militância. Penso que a qualidade dos nossos partidos e da nossa sociedade civil está desarticulada. As arbitrariedades e as injustiças são levadas a cabo com a nossa conivência e com a dos partidos políticos da oposição. Mudar este ciclo eleitoral viciado implica mudar o nosso modo de agir como cidadãos e como partidose amadurecermos com as circunstâncias para que sejamos capazes de impedir manobras de viciação de resultados eleitorais que são feitas à nossa frente, diante da nossa apatia e incompetência para evitar.
(Dr. Deolindo Paúa)