DEZ CARACTERÍSTICAS DO ACOMPANHAMENTO DA LEITURA DA BÍBLIA PELO MAGISTÉRIO
DEZ CARACTERÍSTICAS
DO ACOMPANHAMENTO DA LEITURA DA BÍBLIA PELO MAGISTÉRIO
(Parte I)
Por: Carlos Mesters
Nos anos depois do Concílio saíram vários documentos da parte do Magistério para estimular e orientar a leitura e a interpretação da Bíblia na Igreja. Pois a fidelidade à Igreja, à Tradição e ao Magistério é tão importante para a interpretação da Bíblia quanto a raiz para a árvore. Apresentamos aqui dez normas hermenêuticas (de interpretação), frutos do Vaticano II, que estão orientando a leitura e a interpretação da Bíblia na Igreja hoje.
- Crer que a Bíblia é Palavra de Deus (DV 11)
A fé de que a Bíblia é Palavra de Deus é o que mais caracteriza a leitura cristã da Bíblia. É por ser Palavra de Deus que a Bíblia tem aquela autoridade. A Palavra de Deus, porém, não está só na Bíblia. Deus também fala pela vida, pela natureza, pela história (DV 3). A leitura da Palavra escrita da Bíblia ajuda a descobrir a Palavra viva de Deus na vida.
Santo Agostinho ensina que Deus escreveu dois livros. O primeiro livro é a criação, a natureza, a vida. O segundo livro é a Bíblia, inspirada por Deus para nos “devolver o olhar da contemplação”, para que possamos ler e interpretar melhor o Livro da Vida e da Natureza.
Por ser Palavra de Deus, a Bíblia, quando “lida e interpretada naquele mesmo Espírito em que foi escrita” (DV 12), comunica a luz e a força deste mesmo Espírito aos que a lêem. Por isso, a Palavra de Deus tem força para realizar o que transmite (DV 21).
- É Palavra de Deus em linguagem humana (DV 12)
A linguagem usada por Deus para comunicar-se conosco na Bíblia é, em tudo, igual à nossa linguagem, menos no erro e na mentira. Por isso ela deve ser interpretada com a ajuda dos mesmos critérios que se usam para interpretar a linguagem humana: crítica textual, crítica literária, pesquisa histórica, etnologia, arqueologia, etc (DV 12; Pio XII 20). Do contrário, caímos no erro do fundamentalismo que tanto mal faz, pois desliga a Bíblia do contexto da realidade humana daquela época, isola o leitor e a leitora da comunidade e da tradição e separa vida e fé.
- Deus se revela a si mesmo na sua Palavra (DV 20)
O povo cristão procura e encontra na Bíblia “o conhecimento de Deus e do homem e a maneira pela qual o justo e misericordioso Deus trata com os homens” (DV 15). A Leitura Orante faz com que o modo de pensar de Deus, aos poucos, se torne o nosso modo de pensar. Por isso mesmo, ela ajuda a descobrir e quebrar em nós as falsas ideologias, e contribui para que aprendamos a olhar a vida com os olhos de Deus.
Antes de ser um catálogo de verdades, a Bíblia é a revelação da graça e da misericórdia de Deus (DV 2). Ele nos amou primeiro! Para os pobres e oprimidos, esta revelação significa, desde sempre, que Deus se inclina para escutar o seu clamor e estar com eles na sua aflição, para caminhar com eles e libertá-los do cativeiro (Ex 3,7-8; Sl 91,14s).
O objetivo primeiro da Bíblia é ajudar-nos a descobrir na vida esta presença amiga de Deus e experimentar o seu amor libertador. A leitura da Bíblia funciona como um colírio que vai limpando os olhos.
Esta revelação e experiência de Deus são fruto, ao mesmo tempo, da graça de Deus e do esforço humano. De um lado, a revelação que Deus faz de si mesmo provoca nossa colaboração e participação e exige a observância da Aliança. De outro lado, ela “nos faz participar dos bens divinos que superam inteiramente a capacidade da mente humana” (DV 6). Eficiência e gratuidade, luta e festa, natureza e graça, ambos se misturam na caminhada conflituosa em direção a Deus. Este olhar libertador, nascido de Deus, liberta e abre o sentido da Bíblia.