Bauman e a dificuldade de amar e egocentrismo exagerado
Bauman e a dificuldade de amar e egocentrismo exagerado
A minha breve reflexão está basicamente inspirada no Amor líquido de Bauman e a actual conjuntura que estamos mergulhados. A primeira questão que coloco a todos é se há clara compreensão sobre o amor e quando pronunciamos o que pretendemos atingir.
A outra verificação embora não muito profunda é a “alegria” dos egocêntricos neste tempo de COVID-19. Pois é, eles estão bem e são os mais felizes porque se antes se incomodavam ao encontrar e conviver com os outros, com o distanciamento social ninguém os incomoda. Mas até quando essa alegria vai durar? Se por um lado os egocêntricos estão em festa os joviais e amigáveis estão de luto pois não conseguem partilhar a vida devidamente devido às restrições.
Coragem!
Isso tudo vai passar.
Nos dois lados, os extremos: egocêntricos e amigáveis, há um aprendizado muito além da capacidade humana. Uns querem continuar se isolando e outros querem estar com os outros brevemente.
Aristotéles diz que o ser humano é um ser social, mas hoje podemos trazer nova afirmação: alguns seres humanos são seres sociais e outros são seres selvagens.
Dependendo do ambiente em que a pessoa cresce e como ela assimila as coisas, umas são sociais e outras são selvagens.
Cabe o estado isolar os selvagens para uma correção e posterior reintegração na sociedade. Outros selvagens continuarão a conviver conosco porque não cometem crimes mas se distanciam de todos por causa dos seus comportamentos de pensarem que os outros são inimigos.
Podemos passar anos e anos sem compreender como os egocêntricos processam suas mentes e suas emoções.
Vamos ao nosso amigo
Zygmunt Bauman que é autor de inúmeras obras com a palavra líquido em seu título.
A noção de liquidez proposta pelo filósofo e sociólogo polonês, já falecido, é aplicada aos mais variados temas como a modernidade, o amor, o medo, a vida e o tempo, expressando a fluidez, isto é, a imensa facilidade com que estes elementos escorrem pelas mãos do homem moderno.
Nesse tempo de COVID-19, o medo perpassa nos vários cenários sociais: na
Educaçao todos têm o medo de perder o ano lectivo e atrasar os projectos dos filhos e filhas. Na saúde, os governos temem um colapso total do sistema de saúde. Os pobres e os ricos têm medo da morte. Os ricos têm medo de perder toda riqueza.
Os fundamentalistas têm medo que Deus esteja a condenar a humanidade. E você qual é o seu medo?
Ao escrever este texto direciono me a si para que saia do medo e covardia. Abra seu coração para viver o agora com todos os desafios mas pense sempre nos outros e na complexidade da vida.
A seguir trago o que Bauman no livro sobre o amor líquido, num dos capítulos no qual ele fala sobre a dificuldade de amar o próximo destacando o modo como lidamos com os estranhos.
O medo de amar o estranho aprisiona muita gente mas como dissemos acima, essa dificuldade tem a ver com a própria forma como cada um é criado. Quem cresceu tomando surra e quase numa cadeia domiciliar, qualquer atitude do outro pode abrir as sequelas das torturas antigas. Eu acredito que nessa dificuldade de amar é que se encontra a raiz de tantos dos nossos problemas seja na esfera pessoal ou pública. Se não consegue amar então vai odiar ou invejar. O pior é quando uma pessoa olha aos outros como inimigos ou responsáveis pela desgraça que vive.
Outro ponto discutido pelas novas atitudes do homem moderno está no consumismo e possessão. Vivemos em uma sociedade fortemente marcada pelo conflito “*ser*” versus “*ter*” na qual o homem passa a se expressar pelas suas posses, ou seja, isso é meu, este é meu marido, esta é minha esposa, este é meu pai, esta é minha mãe etc, elementos definidores de sua própria identidade, o que reflete na busca por certa conformidade que ceifa a pluralidade de existências e segrega o que é diferente, estranho.
O termo “nosso” é aplicado para um determinado grupo e o resto não. O modo como as cidades se dividem é exemplo de possessão, os nichos considerados seguros são aqueles onde todos se parecem, exacerbando a nossa dificuldade em lidar com os estranhos que passam a ser evitados através de sistemas de segurança, muros, investimento de cães bravos etc.
A ideia que aparece é a resposta imediata do que o estado não providencia que é a segurança. Será que estamos seguros mesmo quando nossa casa esteja com todo aparato de segurança? A ideia de ser seguro engana muita gente. Como posso ficar unicamente seguro se ao lado está uma palhota que pode pegar fogo facilmente? Como posso estar na minha casa seguro se a cidade que vivo está a enfrentar na luta contra diferentes crimes? Muita gente evita a todo custo o incômodo de estar na presença de estranhos, começar a enxergar naquele que sequer se sabe o nome é visto como um inimigo em potencial e desconfiar de tudo e de todos só é possível graças ao desengajamento e ruptura de laços como sustenta Bauman.
Se levarmos em conta que amar outra pessoa não é amar o que projetamos nela e sim a sua humanidade e singularidades, não será difícil compreender que o amor é um desafio nos tempos de modernidade líquida. A busca pela felicidade individual nos transforma em tribunais individuais e, na disputa pela sentença a ser proferida, não raro, o que se vê é sair vencedor aquele que se recusa a ouvir o outro. Facilmente, pois, livramo-nos dos compromissos e de tudo aquilo que nos pareça incômodo. Ninguém quer compromissos longos como casamento porque vai sofrer por toda vida. Por isso encontramos pessoas que namoram hoje e dia seguinte abandonam. Trocam parceiros como se estivesse a trocar de roupa.
Ainda que tão agarrados a nós mesmos, paradoxalmente, é bastante comum que a solidão seja companhia (e problema) constante de quem vive a descartar. No entanto, a solidão solitária, colocar-se numa ilha deserta, é início de um suicídio porque a pessoa vive morta para os outros. Viver para si é auto condenação porque o ser humano precisa do outro para ganhar energias positivas e não olhar o outro como posse nem inimigo.
A vida é bela quando é vivida para si e para os outros.
A vida é para ser vivida sem medo.
A vida só tem sentido quando nos abrirmos para o mundo e criamos pontes e não muros.
A auto sabotagem nas nossas pequenas ilhas deve ser abandonada com urgência pois nesse tempo de coronavírus vimos que sofremos juntos: egocêntricos e amigáveis, ricos e pobres, brancos e negros. Vamos nos unir para criar um paraíso onde todos se acolhem como irmãos e amigos. Se foste algum inimigo de alguém, então, perdoe-o e acolhe o seu perdão.
Se postura de alguém te faz distanciar-se de ti então que juntos construam a própria ponte cujo material de construção será: acolhida, perdão, reconciliação, diálogo, transparência, justiça, paz, amor e doação.
(Do servo inútil, Pe. Fonseca Kwiriwi, CP)