SILENCIANDO A DISCRIMINAÇÃO DA MULHER

(col. de C. Osório e Teresa Cruz e Silva)
É o titulo de uma publicação editada pela WLSA-Moçambique em 2018 que trata de conflitos entre fontes de poderes e os direitos humanos entre as mulheres em Pemba. Uma publicação digna de ser tomada como referência.
A publicação começa narrando 2 episódios importantes para enquadrar a realidade.
No dia 16 de Agosto de 2018, cerca de 80 pessoas participaram numa manifestação pacífica em Pemba exprimindo o seu descontentamento e repúdio contra o facto de o Conselho Municipal lhes ter tirado as suas terras, atribuindo-as a uma empresa, desde 2017, sem consulta nem justa indemnização. Duas semanas depois, na pequena Ilha de Olinda, distrito de Inhassunge (Zambézia) acontece uma manifestação quase pelas mesmas razões do caso de Pemba contra uma decisão do governo de lhes levar as suas terras e atribuí-las a uma empresa chinesa que pretende, na área, explorar areias pesadas. Nestes dois casos a UIR da PRM interveio com força e violência para sedar a manifestação que foi considerada “atentado contra a ordem e tranquilidade públicas”.
As consequências
Os episódios aqui narrados explicam o que está na raiz do descontentamento popular: a exposição da relação potencialmente explosiva entre a ocupação de terra para implantação de grandes projectos económicos, com desrespeito dos direitos pré-existentes das comunidades ocupantes legítimas de tais terras e dos seus direitos humanos.
Sublinhamos dois aspectos importantes que saem da análise destes acontecimentos.
Primeiro, a exploração dos recursos naturais atinge de forma mais gravosa as mulheres, não só porque lhes retira, na maioria dos casos, a fonte de sobrevivência das famílias, mas porque a terra tem em si uma componente simbólica importante que pode influenciar a capacidade de negociação das mulheres no contexto familiar, em que as relações de poder não lhes são favoráveis.
Segundo, constata-se na realidade analisada na publicação, que as reivindicações das mulheres sobre a terra foram mediadas no espaço público pelas vozes masculinas, a quem é dada a legitimidade de representação. A utilização do argumento de que os homens têm naturalmente a competência de transmissão das inquietações e expectativas das famílias, sendo que no campo da negociação o “outro lado” é também representado por homens, expõe o reconhecimento de uma hierarquia que autoriza a partilha de funções. Esta partilha não pode ser vista como uma forma harmoniosa de diferenciação em igualdade, mas principalmente como um meio de imobilizar os “lugares” e de conservação da ordem.
A realidade não é clara
Quando observamos o papel das políticas e estratégias do Estado de promover direitos, o que fica evidente, é que, embora existam dispositivos que definem princípios e valores de igualdade, os mecanismos utilizados na sua transposição para a mudança da realidade não têm sido completamente eficazes. Isto é, se por um lado, as políticas sectoriais orientam para o combate à discriminação, por outro lado, as acções que se desenvolvem para as pôr em prática não atingem a estrutura de poder que está na origem do desigual acesso a direitos por parte das mulheres, com excepção do sector da educação que enfatiza, na sua estratégia de género, a necessidade de se perceber e actuar sobre os factores que impedem a assumir a igualdade.
Ainda há muito que fazer para o combate à discriminação de género assim como para a defesa do direito do uso da terra. Até que o Estado funcionar a reboque de interesses do grande capital internacional, na sua corrida à exploração dos recursos energéticos e outros, ele deverá praticamente desaparecer, dando espaço ao império do livre empresariado.
E assim, estão sendo criadas, lenta mas solidamente, excelentes condições de incubação de novos conflitos em Moçambique!