EU TAMBÉM SOU LICENCIADO!
Por Deolindo Paúa
Era suposto que o crescente número de doutores que nossas universidades formam mudasse a postura social e académica do nosso país, afinal, o conhecimento traz uma nova abordagem social e científica. Quem estuda não pode continuar a ser o mesmo, tem que mudar para o melhor. O crescente número de licenciados na nossa sociedade deveria melhorar os serviços públicos, a convivência social nos bairros, a postura civilizada e não produzir indivíduos prontos para humilhar quem não tenha sentado numa carteira da universidade, nem para comprometer a relação com os outros.
Há dias participei da resolução de um conflito entre dois vizinhos no qual de entre várias coisas, um exigia do outro respeito. O primeiro, senhor Marcos, é professor da escola Secundária e é licenciado. Como tal, suas condições caseiras são relativamente boas. No bairro de expansão em que vive, foi o primeiro a ter ligação de corrente eléctrica graças as suas influências na EDM. À partir dele os outros vizinhos, com quem convive cordialmente, tiveram corrente eléctrica em suas casas. Sua casa é das poucas melhores da zona e tem um muro de vedação que lhe coloca em conflito com o seu vizinho, o senhor Augusto, o outro recém-licenciado. Só que como não há postura que não arraste críticas, esta atitude cordial do senhor Marcos não é bem vista por todos.
O senhor Augusto a entende como humilhação aos outros e acha que o senhor Marcos, ao ser prestativo e cordial, rebaixa aos outros por ser licenciado. Foi por isto que quando foi abordado pelo secretário do bairro a respeito da fonte do desentendimento com seu vizinho ele, num tom de arrogância, deixou claro: “eu também sou licenciado!”. Faz tempo que a discórdia está instalada e nem o secretário que devia ser encarado como autoridade local deve intervir. É um problema de licenciados!
Este é apenas um exemplo de como encaramos de forma estranha o nível académico que alcançamos com muito sacrifício. É difícil estudar porque exige o consentimento de vários sacríficos e o gasto de somas de dinheiro. Tradicionalmente a finalidade do estudo é a aquisição de conhecimento para facilitar nossas opções e nossas acções de vida. Estudar é um acto de humildade ao se reconhecer a ignorância própria e sair-se em busca de conhecimento. É por isso que uma formação normal, em condições normais e feita em caminhos normais, leva à humildade. Já dizia um filósofo que o orgulho é dos ignorantes, a humildade dos sábios. A nossa sociedade felizmente está cheia de licenciados. Nos últimos anos nota-se um interesse pela formação por parte das pessoas de todas as idades. Mas se as pessoas se dirigem às universidades para adquirirem orgulho e competirem em pé de igualdade ou se imporem aos seus colegas, seus vizinhos, seus maridos, suas esposas, etc., de nada vale esse investimento.
Normalmente a formação devia trazer concórdia social. Mas nas nossas sociedades e sobretudo no nosso contexto moçambicano, as licenciaturas parece provocarem discórdia. Uma vez que as licenciaturas concedem orgulho e não humildade que deviam, há licenciados que descobriram esposas ou maridos ignorantes e destruíram seus lares, outros que desprezaram seus pais, outros ainda que não convivem com vizinhos que não sejam de seu nível, outros que humilham seus alunos, outros ainda que, dominados pelo orgulho de serem doutores, pontapearam todos os princípios da sociabilidade e isolaram-se em suas casas no conforto da sua licenciatura.
Não é a licenciatura que muda as pessoas. São as pessoas que entendem mal a licenciatura e que a encaram erradamente como um estatuto social que as coloca em tudo acima das outras pessoas. Qualquer graduação que introduza em nossas mentes o desprezo e mau comportamento, só pode derivar de uma licenciatura mal feita e que por isso deveria ser repetida. A humildade e a concórdia social devem ser consequências afectivas de uma licenciatura bem-feita. Doutores que destroem a harmonia social e induzem ao mau comportamento são falsos, são piratas.