Vivência cristã no tempo do coronavírus
Por Pe. Bonifácio Raça
No tempo em que os edifícios religiosos estão fechados e suspensas todas as celebrações litúrgicas por causa do coronavirus, somos convidados a redescobrir a natureza da Igreja Domestica, raiz da família de Deus.
A vida cristã é uma bela aventura com Deus. É diferente da aventura que o mundo oferece. Contudo, ela é sempre acompanhada por situações que a deixa atribulada, sofrida e, até não poucas vezes, entregue à morte. Por isso, é necessário que cada cristão, ao abraçar o compromisso do discipulado, esteja pronto para assumir as vicissitudes da fé que abraça.
As dúvidas humanas
Muitas vezes, visto que vemos de forma confusa, como num espelho (cf. 1Cor13,12), ficamos quase que cegos e não conseguimos conciliar o mistério salvador de Deus com a dor e o sofrimento que nos abalam. Daí que surgem questões como:será que Deus se compraz com os nossos sofrimentos? Onde está Deus neste momento de dor? Porque tanto silêncio quando gritamos? Mergulhados nessas dúvidas e dores, incapazes de ler a nossa história à luz da fé, perdemos a oportunidade de contemplar as maravilhas que Deus opera na nossa vida.
Concentramos todas as nossas energias na dor, que nos causa desespero.É o que está a acontecer nestes dias com a eclosão da pandemia daCovid19, a humanidade inteira vive aterrorizada pelo medo, ao ponto de criar um desespero universal.
As notícias que circulam somente apontam para o mal físico, que pode acontecer em caso de contágio pelo coronavírus. Preocupados excessivamente com esta vida passageira, todo o resto já não conta, apenas a busca de a todo o custo salvaguardar a ‘minha vida, economia, etc.’
Diante desta realidade como deve ser a atitude do Cristão?
Perante a dor eo sofrimento que a condição humana e o mundo nos impõem, o melhor que um cristão pode fazer é procurar conselhos na Palavra de Deus. O Apóstolo Pedro dizia: “Caríssimos, não estranheis a fogueira que se ateou no meio de vós para vos pôr à prova, como se vos acontecesse alguma coisa estranha. Pelo contrário, alegrai-vos, pois assim como participais dos sofrimentos de Cristo, assim também rejubilareis de alegria na altura da revelação da sua glória” (1Pd 4,12-13).
Na verdade, na caminhada cristã, enquanto Igreja que caminha pelas sendas do mundo, podemos encontrar inúmeros desafios que nos afligem. Mas não podemos desanimar, pois, segundo o Apóstolo, “depois de terdes sofrido um pouco, o Deus de toda a graça, (…) vos restaurará, vos firmará, vos fortalecerá e vos tornará inabaláveis”(1Pd 5,10).
A atitude a tomar diante da dor e do sofrimento é a confiança em Deus. Uma confiança que consiste numa fé inabalável, com uma esperança viva. Aliás, Jesus, o nosso Salvador e Mestre ensinou-nos a ter fé n’Ele, confiar em Deus e não temer nada: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12,32). E quando os discípulos pareciam desanimar e atormentados disse-lhes: “Cesse de perturbar-se o vosso coração! Crede em Deus, crede também em Mim” (Jo 14,1).
E que significa isso para nós?
Significa que devemos procurar ver as coisas com os olhos de Deus. Esta pandemia oferece-nos a oportunidade de vivermos a nossa fé de maneira diferente. É o momento de fortalecer a Igreja Doméstica. A experiência de oração em comunidades maiores, que muitas vezes nos deixava perdido na massa anónima, traz-nos hoje uma oportunidade de rezar em pequenas comunidades de irmãos de sangue.É o regresso dos momentos iniciais da Igreja em que se reunia nas casas (cf. Act 12,12).Não é o momento de lamentações nem desânimo, mas sim de alegria e fortalecimento da nossa adesão a Deus.
Nestes dias, saindo de Belo Horizonte (Minas Gerais) para Guaratinguetá (São Paulo), parei na cidade de Barra Mansa (Rio de Janeiro), onde fui recebido pela família Altamir e Sónia, pois não podia continuar a viagem, devido ao impedimento de circulação por conta da pandemia do coronavírus. Foi uma providência divina. Pois com essa paragem pude colher uma grande experiência de vida de oração de uma família.
Vi a alegria da família em me receber e fazer parte da sua vida. Sendo a primeira vez que recebiam um padre na sua casa, encontrei uma verdadeira Igreja Doméstica e me fez pensar: quem me dera que todas as famílias cristãs vivessem desta maneira!A alegria, simplicidade e esperança de dias melhores contagiantes. Partilhei com ela as alegrias da fé. Duranteos quatro dias em que fiquei com eles, rezámos juntos o santo Rosário, e aprendi a importância de aproveitareste período da graça para fortalecer o amor familiar.
O calorque recebi da família e a entrega de todos os membros na oração impulsionaram-me a descobrir ainda mais o lado bom do momento em que vivemos.Nisto compreendi o sentido das palavras de Jesus ao descrever a sua crucificação como “hora de glorificação”. Portanto, esta hora é de graça, é “o tempo favorável”de fortalecimento das famílias cristãs, servindo como exemplo de esperança e modelo de alegria na adversidade. É o tempo de as famílias cristãs brilharem como estrelas da aurora, que anunciam o dia, mostrando ao mundo que têm como fonte de alegria a certeza da presença de Deus na sua vida.
A igreja não são os edifícios
É verdade que as igrejas estão fechadas, mas a Igreja não são os edifícios; as famílias é que são a verdadeira Igreja. E elas estão sempre abertas e podem viver a sua fé com alegria. É preciso criar momentos de oração em família, de partilha das experiências da vida e meditar a Palavra. A oração em família pode levar-nos a descobrir o tesouro que se esconde nestes momentos difíceis. Lembremo-nos que a Igreja cresce não nos momentos de alegrias mundanas, mas sim nos momentos considerados difíceis. Sim é possível viver a alegria da fé em meio a dor e o sofrimento.
Não nos entristeçamos porque não podemos ir à igreja ou à capela do nosso bairro; podemos sim aproveitar a ocasião para fortalecer a Igreja Doméstica: rezando e vivendo dentro da nossa família os valores evangélicos.
Em lugar de desespero, deve florescer a esperança; ali onde parece que somente há dor, deve nascer o bálsamo da vitória; ali onde o mundo vê podridão, o cristão deve ser capaz de ver a vida florescendo: nisto, seremos verdadeiros discípulos de Cristo.