Liturgia do tempo da Quaresma

Por Pe Cantífula de Castro
40 dias para renovar-nos
Anualmente, o ciclo da liturgia oferece-nos a oportunidade de uma longa caminhada de Quaresma. Trata-se de um tempo de preparação “pelo qual se sobe ao monte santo da Páscoa”, como o descreve o Cerimonial dos Bispos (CB 249).
O tempo da Quaresma começa na Quarta-Feira de Cinzas e termina pela tarde de Quinta-Feira Santa, antes da Missa Vespertina da Ceia do Senhor, com que se inaugura o Tríduo Pascal.
Origem da Quaresma
A Quaresma organizou-se a partir do século IV. A sua história anterior não é muito clara. Parece que o seu gérmen original foi o jejum pascal de dois dias, na Sexta e no Sábado antes do Domingo da Ressurreição, espaço que, a pouco e pouco, se alargou a uma semana, depois a três e, segundo as diversas regiões, sobretudo nas do Oriente, como o Egipto, até às seis semanas ou quarenta dias. Em Roma, a Quaresma já estava constituída, entre os anos 350 e 380.
Porquê quarenta dias?
Para dar sentido a este período, como preparação da Páscoa, teve certamente grande influência o simbolismo bíblico do número quarenta. Vejamos alguns exemplos apresentados pela Bíblia.
O dilúvio durou quarenta dias antes da aliança de Deus com Noé, conforme narrado em Génesis 6,1-8,12; Encontramos também Moisés que ficou quarenta dias e quarenta noites no monte (Êxodo 24,18); Moisés intercedeu em nome de Israel por 40 dias e 40 noites (Deuteronómio 9,18-25); a Lei especificava um número máximo de chicotadas que um homem poderia receber por um crime, e esse limite era 40 (Deuteronómio 25,3); os espiões israelitas levaram 40 dias para espionar Canaã (Números 13,25); antes da libertação de Sansão, Israel serviu os filisteus por 40 anos (Juízes 13,1); Golias provocou o exército de Saul por 40 dias antes de David chegar para matá-lo (1 Samuel 17,16). Por outro lado, o Povo de Israel caminhou durante quarenta anos pelo deserto (Números 14,26-35); a mesma sorte caiu para o profeta Elias que caminhou quarenta dias e quanta noites para o monte Sinai ao encontro de Deus (1Reis 19,1-8). No Novo Testamento, Jesus Cristo passou quarenta dias e quarenta noites no deserto, antes de começar a sua missão messiânica (Mateus 4,1-11).
Deste modo, os quarenta dias de preparação para a Páscoa aparecem como um tempo de prova, de purificação e de preparação para um acontecimento importante e salvador. O Catecismo da Igreja Católica explica que “Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto” (CIC, 540).
A Espiritualidade da Quaresma
Antigamente, a Quaresma começava originariamente no Domingo. Mas, nos séculos VI-VII acentuou-se como característica determinante o jejum, e como, aos domingos, não se jejuava, adiantou-se o seu início para a quarta-feira anterior ao primeiro domingo, a que de imediato se chamou “de Cinzas”, para que a Páscoa fosse precedida de quarenta dias de jejum efectivo.
A Igreja propõe, por meio do Evangelho proclamado na quarta-feira de cinzas, três grandes linhas de acção: a oração, a penitência e a caridade. Não somente durante a Quaresma, mas em todos os dias de sua vida, o cristão deve buscar o Reino de Deus, ou seja, lutar para que exista justiça, paz e o amor em toda a humanidade. Os cristãos devem então recolher-se para a reflexão e assim aproximar-se de Deus. Esta busca inclui a oração, a penitência e a caridade, esta última como uma consequência da penitência.
A Quaresma é um tempo forte de conversão e de mudança interior, tempo de deixar tudo o que é velho em nós. Tempo de graça e salvação, em que nos preparamos para viver, de maneira intensa, livre e amorosa, o momento mais importante do ano litúrgico e da história da salvação: a Páscoa, aliança definitiva, vitória sobre o pecado, a escravidão e a morte.
A espiritualidade da Quaresma é caracterizada também por uma atenta, profunda e prolongada escuta da Palavra de Deus. É esta Palavra que ilumina a vida e chama à conversão, infundindo confiança na misericórdia de Deus. O confronto com o Evangelho ajuda a perceber o mal, o pecado, na perspectiva da Aliança, isto é, a misteriosa relação nupcial de amor entre Deus e o seu povo. Motiva para atitudes de partilha do amor misericordioso e da alegria do Pai com os irmãos que voltam convertidos.
Enfim, a espiritualidade da Quaresma é apresentada pela Igreja como um caminho para a Páscoa e mistério Pascal de Cristo e exprime-se no exercício das obras de caridade, no perdão, na oração, no jejum, principalmente no jejum do pecado.
O Concílio Vaticano II determinou expressamente que se acentuasse o carácter baptismal e penitencial da Quaresma, “sobretudo através da recordação ou da preparação para o Baptismo e através da Penitência, dispõe os fiéis, que com mais frequência ouvem a Palavra de Deus e se entregam à oração, para a celebração do Mistério Pascal” (SC, 109). Agora “a liturgia quaresmal prepara para a celebração do Mistério Pascal tanto os catecúmenos, através dos diversos graus da iniciação cristã, como os fiéis, por meio da recordação do Baptismo e das práticas de penitência” (NG 27).
O que muda nas celebrações no Tempo da quaresma?
As seis semanas da Quaresma dividem-se em três etapas, marcadas pelos Evangelhos correspondentes: os dois primeiros domingos, com as tentações e a transfiguração do Senhor; os três seguintes, com as catequeses baptismais da samaritana (água), do cego (luz) e Lázaro (vida), próprias do Ciclo A, mas que se podem seguir cada ano, embora haja outra série de leituras param cada ciclo; e, finalmente, o sexto domingo, chamado de Ramos ou da Paixão, que inaugura a Semana Santa.
A liturgia da Palavra salienta alguns momentos significativos da História da Salvação: a criação do mundo, Abraão, o Êxodo e Moisés, o rei David, os profetas e o Servo de Javé. Tudo isso ajuda a entender a Quaresma como um caminho de crescente preparação para a celebração da Páscoa.
Na liturgia não se canta Aleluia e o Glória. O espaço celebrativo fica sem flores e batuques; os paramentos são de cor roxa. Neste tempo também realizam-se escrutínios catecumenais para a última etapa catecumenal, no primeiro domingo da Quaresma e, a partir daí, várias reuniões de escrutínios