TRAVÕES DO DESENVOLVIMENTO DE MOÇAMBIQUE
Por Dr. Tomas Selemane
O que é que trava o desenvolvimento do pais?
Começamos o ano novo com uma nova rubrica: Contraponto. Umas páginas de reflexões políticas, económicas e sociais à luz da Doutrina Social da Igreja (DSI), um convite à acção por uma sociedade mais justa. Ocasião para reflectir o que geralmente se acredita ser verdade e para procurar apelar a mais acção, à mudança de atitude, ao maior engajamento cristão, de modo a sairmos da situação de católicos somente de baptismo e de missas.
Começamos a nossa viagem identificando os maiores travões do desenvolvimento de Moçambique. A opinião pública identifica como principais travões do desenvolvimento do nosso país, a pobreza, o desemprego, a insuficiência de escolas e hospitais, de estradas pavimentadas, ou simplesmente transitáveis, a fraca produtividade agrícola, a desnutrição, e por aí a diante. Porém, todos esses problemas são consequências de outros problemas mais profundos.
Intolerância política
É a intolerância política o primeiro maior travão do desenvolvimento de Moçambique. Inspirados na última Encíclica do Papa Francisco “Fratelli Tutti” – Somos todos irmãos: Sobre a Fraternidade e a Amizade Social – consideramos como sendo o primeiro maior travão do desenvolvimento de Moçambique a intolerância política no seu sentido mais amplo. Não me refiro à intolerância partidária que produz e reproduz ódio entre membros e simpatizantes dos diferentes partidos políticos, com maior destaque para os três maiores (Frelimo, Renamo e MDM).
Refiro-me àquela intolerância que igualmente gera e reproduz ódio entre os membros e simpatizantes do mesmo partido político. A intolerância que está na origem das desavenças que se vivem dentro dos partidos políticos, de forma particular, e dentro da nossa sociedade, de forma geral.
Harmonia nas diversidades
Na sua Encíclica “Somos todos irmãos”, o Papa Francisco ensina-nos como podemos construir um mundo melhor a partir da aceitação do Outro, de como a fraternidade e a amizade social podem ajudar-nos a construir um mundo pacífico e com mais justiça. E este é exactamente, do nosso ponto de vista, o primeiro maior problema de Moçambique: como aceitar as diferenças sociais e políticas, dentro e fora dos partidos políticos? Porque é que não vemos uma convivência harmoniosa, salvo raras excepções que confirmam a regra, entre pessoas de partidos políticos diferentes? Mais preocupante ainda: porque é que não vemos harmonia entre os diferentes grupos dentro dos principais partidos políticos?
Intolerância dentro dos partidos políticos
Por exemplo, são conhecidas as desavenças que houve dentro do partido Frelimo entre o grupo do Presidente Guebuza e o grupo do seu antecessor, o Presidente Chissano. Foi notória a votação ao esquecimento do segundo grupo pelo primeiro, muitas vezes com pronunciamentos públicos indecentes, incluindo prisão de ex-governantes num claro fingimento de combate à grande corrupção. Com a chegada do Presidente Filipe Nyusi à Presidência do país e da Frelimo, temos visto também o mesmo grau de intolerância entre o seu grupo de apoiantes e o grupo do seu antecessor. Como que a completar a trágica coreografia política, essa intolerância inclui também pronunciamentos públicos de uns contra os outros, incluindo também prisões de ex-governantes: Sempre em nome de um suposto combate à corrupção. Digo suposto porque fora das prisões não vemos nenhumas reformas às causas da grande corrupção no país. Estes são sinais de como a intolerância política no nosso país é mais profunda do que a intolerância partidária.
E na Renamo?
Do lado da Renamo, são conhecidos os desentendimentos entre o grupo de apoiantes do Presidente Ossufo Momade com o grupo do seu antecessor, o Presidente Afonso Dhlakama. O surgimento da autoproclamada Junta Militar – com todas as consequências que dela advêm – deve ser entendido no contexto dessa intolerância política, essa falta de capacidade de aceitação do Outro por parte de ambos os grupos. Não vemos tentativas nem esforços de convivência mútua, de aceitação de que “somos todos irmãos” tal como nos ensina o Papa Francisco.
E no MDM?
Do lado do MDM também vimos como a falta de aceitação entre irmãos resultou em saídas de membros daquele partido, tendo inclusive chegado ao trágico cúmulo da morte do ex-Presidente do Município de Nampula, Mahamudo Amurane. Sem conclusão das investigações das autoridades da justiça sobre as causas e os mandantes daquele assassinato, está assente no plano de análise política a discórdia que existia entre a direcção do MDM e aquele dirigente autárquico.
Você não é dos nossos!
É conhecida a discriminação, por exemplo, de pessoas que não sejam do partido no poder quando se trata de nomeações para cargos governativos, a vários níveis. Mas também, nos locais onde os partidos da oposição (Renamo e MDM) governam, não vemos procedimentos de aceitação do Outro. Notamos o mesmo grau de intolerância política, neste caso em miniatura, porque são casos registados a nível municipal. Ao passo que a intolerância política da Frelimo é mais visível porque ocorre a nível nacional e dentro de diferentes territórios do país.
Promover a tolerância politica
Podemos afirmar que sem aceitação mútua, sem tolerância e compreensão das nossas diferenças – se não nos tratamos como irmãos – é impossível criarmos desenvolvimento. Podemos ir aumentando o número de escolas e de hospitais, por exemplo, mas se não assumimos que essas escolas e hospitais devem pertencer a todos os moçambicanos, tanto para o seu uso como para a sua gestão, vamos apenas ter mais escolas e mais hospitais com mais exclusão, e por consequência, com maior desigualdade. Por isso, é importante que nós os católicos sejamos “sal da terra e luz do mundo” (Mat. 5: 13, 14) e marquemos diferença nos diferentes sectores da sociedade onde trabalhamos, ao contrário da inércia em que vivemos actualmente!