A PORTA DE ENTRADA NO APOCALIPSE DE JOÃO
Frei Carlos Mesters, Carmelita
3ª Chave
A PORTA DE ENTRADA NO APOCALIPSE DE JOÃO
Apocalipse 1,1-20
Ap 1,1-3: A Apresentação. Aqui batemos na porta
Ap 1,4-8: A Saudação. João vem abrir e convida para entrar
Ap 1,9-20: A Visão Inaugural João nos coloca em contato com Jesus
O primeiro capítulo do Apocalipse de João é uma amostra do que vem a ser o livro e a sua mensagem: (1) informa sobre a natureza do livro; (2) apresenta-o como uma carta carinhosa escrita por uma pessoa amiga para comunidades perseguidas que precisavam de animação e de orientação; (3) cria o ambiente, no qual o livro deve ser lido; (4) envolve as comunidades numa celebração, em que possam experimentar a presença de Jesus ressuscitado, vivo no meio delas.
Apocalipse 1,1-3: Apresentação do livro: Revelação de Jesus Cristo
Estes versículos iniciais oferecem informações sobre a natureza do Apocalipse, sua origem, seu valor ou autoridade, seu autor, conteúdo e destinatários. Mostram ainda como o livro deve ser lido e interpretado, qual a exigência de compromisso e qual a recompensa que a sua observância traz consigo.
A palavra Apocalipse significa re-velação. Jesus é o autor da Revelação. Ele nos revela “as coisas que devem acontecer em breve” (Ap 1,1). Há uma hierarquia na maneira de comunicar a revelação:
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A sua origem está em Deus,
que a transmite a Jesus, que a entrega ao Anjo, que a manifesta a João, que a comunica aos Servos, que devem testemunhá-la diante da humanidade. |
O Apocalipse é Profecia (1,3), mas não é profecia no sentido de Nostradamus ou dos videntes que entram em ação na véspera de cada Ano Novo. Para estes, a profecia é uma adivinhação, nascida da curiosidade que quer conhecer o futuro. O Apocalipse não deve ser lido como se lá dentro pudéssemos encontrar referências abertas ou veladas ao nosso tempo. Isto seria uma tentativa irreverente do ser humano para penetrar no mundo de Deus e arrancar dele o segredo do futuro. Profecia no sentido do Apocalipse é o contrário. É Deus que, através de Jesus, penetra no nosso mundo, na nossa história, e se dá a conhecer através das palavras de João. Com a ajuda da Palavra de Deus, contida no Antigo Testamento, e do Espírito de Jesus (Jo 14,26; 16,13; Ap 1,10; 4,2), chamado Espírito da Profecia (Ap 19,10), João revela, tira o véu, e nos faz conhecer a ação de Deus na história. Até hoje, as nossas comunidades, animadas pelo Espírito de Jesus e orientadas pela Palavra de Deus, descobrem e partilham entre si a ação deste mesmo Deus, sempre presente na vida e na história do seu povo.
Apocalipse 1,4-8: Saudação inicial: em Nome da Trindade Santa
Nós dizemos: Pai, Filho, e Espírito Santo. O Apocalipse diz: É-Era-Vem; os Sete Espíritos; Jesus Cristo, a Testemunha fiel, o Primogênito dos mortos, o Príncipe dos Reis da terra. No fim do primeiro século, a doutrina era como uma flor que brotava diretamente da experiência vivida das comunidades. Nestes nomes, João diz o que eles esperavam do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Hoje, para muitos de nós, a doutrina cristã é como a flor que foi cortada da experiência e está guardada no caderno do catecismo. Flor bonita e colorida, mas seca, sem vida.
Apocalipse 1,9-20: “Não tenham medo! Estive morto, mas estou vivo!”
A visão de Jesus ressuscitado é o grandioso painel de entrada do Apocalipse. Nele João transmite a experiência que ele mesmo teve da ressurreição. É o resumo e o centro da mensagem que ele quer comunicar às comunidades cansadas e perseguidas da Ásia Menor. É para que elas possam ter a mesma experiência da presença viva de Jesus ressuscitado no meio delas. Pois só assim serão capazes de superar o medo da morte e de acreditar na vida.
Esta visão inicial nos coloca em contato direto com a linguagem dos símbolos, própria do Apocalipse. É uma linguagem, cujo valor não estão só naquilo que é dito, mas também naquilo que é sugerido e evocado. Por isso, o intérprete não deve querer explicar racionalmente todas as palavras, mas sim fazer o possível para levar o leitor, a leitora, a ter a mesma experiência que está na raiz do símbolo. Convém ler a visão inaugural de Jesus como se contempla uma pintura, como se assiste a um drama, como se ouve uma música. A linguagem simbólica faz com que escritor e leitores sintonizem na mesma freqüência ou con-spiração (ação comum do espírito), e tenta fazer com que a con-spiração se torne em ambos uma in–spiração comum, um chão comum.
A gente talvez não entenda logo o significado de todos os detalhes: túnica longa, cinto de ouro, cabelos brancos, olhos como chamas de fogo, pés de bronze incandescente, voz como o estrondo de cataratas de água, sete estrelas na mão direita, espada afiada de dois gumes saindo da boca, o rosto como sol em pleno brilho do meio dia! Mas, mesmo sem entender, adivinhamos algo de grande e de muito importante para a vida. São imagens poderosas que falam por si. É como acontece com música bonita: todos gostam de ouvir e se sentem bem, mas só pouca gente entende de música. Música é feita não para quem entende, mas para quem gosta dela e se reanima ao ouvi-la! Esta visão de Jesus, colocada no início do livro, é como a obra de arte colocada na entrada da igreja. Toda vez que você entra, terá que olhar de novo, pois a gente não dá conta de abarcá-la de uma vez. Tem que voltar sempre para ver de novo, meditar, até que ela entre em você e lhe comunique a sua mensagem.
A Primeira Palavra de Jesus no Apocalipse: “Não tenha medo! Eu sou o Vivente!” A primeira reação de João é de medo: Ao vê-lo, caí como morto a seus pés. Era a reação normal diante da manifestação de Deus (Dn 10,9; Is 6,5; Ex 3,6). Mas não é só isto! A atitude de medo de João reflete também a situação das comunidades. Ameaçadas por dentro e por fora pelo poder do império e pelas tensões internas, elas estavam prostradas e com medo. Estavam no escuro. Não sabiam que eram luz. Alguém precisava despertá-las e animá-las. Exilado na ilha de Patmos, num momento de desânimo e de prostração, João teve uma forte experiência da ressurreição de Jesus que o reanimou e o fez ressuscitar. Ele sentiu Jesus colocando a mão direita sobre mim assegurando: Não tenha medo. João descreve a sua experiência, para que as comunidades tenham a mesma experiência. Ele quer que, como ele, elas possam sentir a mão de Jesus no ombro e ouvir a mesma voz que lhes diga: Não tenham medo!
O fundamento deste otimismo é a palavra de Jesus: Eu sou o Vivente! Estive morto, mas estou vivo para sempre. Tenho as chaves da morte e da morada dos mortos. É o poder da ressurreição que aqui se manifesta. Por ela a morte está vencida, e vencido também está o poder do império que persegue e mata! Esta frase de Jesus resume a mensagem central do Apocalipse. Com esta mensagem no coração, na mente e nos olhos, as comunidades serão capazes de entender melhor o sentido verdadeiro dos acontecimentos que os fazem sofrer e terão um critério certo e seguro para entender o que vão ler no Apocalipse.