A função pública em Moçambique
Para acompanhar os passos do desenvolvimento do país e dos serviços prestados nas instituições públicas, lançamos na presente edição a entrevista realizada com o Mestre em Sociologia do Trabalho e das Organizações, Achegar Tiodósio*. Acompanhe-nos.
VN: Qual é a sua experiência sobre a função pública em Moçambique? Vantagens e desvantagens.
AT: Falar da minha experiencia sobre a função pública no nosso país é o mesmo que me referir à Administração Pública, um assunto bastante enorme e delicado, tendo em vista que ela engloba vários sectores públicos e que tem como objectivo trabalhar em favor do interesse público e dos direitos e interesses dos cidadãos que administram.
Dai que começaria por avançar sobre o factor histórico da própria função pública moçambicana, desde os tempos remotos da nossa independência nacional até aos nossos dias, ela tem-se reajustado e adequado recorrentemente a novos factores da realidade, embora haja quem qualifique que vai do mau ao pior, no que diz respeito aos problemas de organização e funcionamento da mesma, apontados pela falta de transparência que pode igualmente exacerbar as preocupações a governantes, a sociedade civil e agravando o risco de conflitos de interesses.
Portanto, carrego uma experiência, infelizmente, não muito cómoda, sob o ponto de vista e sobretudo ao Estado de Direito, que há diversas áreas carentes de melhorias como por exemplo os recursos judiciais são ainda insuficientes, como se pode notar nos problemas dos atrasos processuais na administração da justiça, a falta de atendimento personalizado nos serviços prioritários e públicos, quando comparado ao sector privado, onde não existem quase bichas mas prestam os mesmos serviços (Educação, saúde …).
Quanto às vantagens, diria que depende do tipo de componente e estrutura funcional. Por exemplo como funcionário público naturalmente oferece um trabalho seguro como estabilidade, desfrutar de sistemas de promoção de cargos, progressão, mudanças de carreiras, aposentadoria integral e não exigência acumulada de experiências anteriores em alguns casos, como também maiores salários embora os pagamentos variem conforme o nível de formação exigida para o cargo ou a complexidade da função.
As desvantagens da função pública, penso que na maioria dos casos tem sido na falta de liberdade para desenvolver outros projectos de carácter pessoal e de sustentabilidade própria, embora hoje exista um grosso número de servidores públicos que tende a se ocupar noutras actividades mas que deve ser claro que são ou, sem o conhecimento da outra parte ou seja desde que não prejudique o funcionamento laboral das suas funções públicas e por outro lado a falta de dependência de um órgão público para prosperar financeiramente.
VN: Qual é o seu ponto de vista sobre os serviços oferecidos nas instituições públicas? Que recomendações a deixar?
AT: Abordar em vista dos serviços oferecidos nas instituições públicas, realmente este é um facto infelizmente generalizado, uma dificuldade para manter os serviços à população, principalmente naqueles essenciais, como segurança, saúde, educação e moradia. E sem contar que os custos para o uso desses serviços que deveriam ser prestados pelo poder público, acabam sendo pagos pela população em forma de elevada carga tributária. Mas não restam dúvidas que tudo isso converge em casos de escândalos e corrupção em diferentes esferas de poder, onde são colocados os interesses públicos acima das pessoas.
No que concerne às recomendações, o mais importante é entender que o nosso país ainda precisa de uma maior maturidade nos seus processos gerenciais para promover mais eficácia na sua condução, reduzindo as burocracias e entregando melhores serviços a quem precisa (população) como um todo, mas para isso, a transparência é imprescindível acima de tudo.
VN: Quais são os desafios da função pública moçambicana?
AT: Uma das grandes e principais catástrofes da função pública moçambicana reside na falta da gestão administrativa participativa. Este é um assunto tratado como Tabu, portanto, continua ainda como desafio a inclusão dos cidadãos no processo de tomada de decisões e também na fiscalização dos problemas de mudança que afectam directamente a sociedade. Além disso, a palavra final sobre decisões que têm o poder de mudar uma situação, ainda fica por incumbência dos altos poderes que administram a função pública.
O outro desafio, não menos importante, é a qualificação dos servidores públicos. Afinal de contas o emprego público é muitas vezes associado à estabilidade. De facto, a característica é forte no segmento, mas isso não significa que os nossos servidores devem parar de se qualificar. Pois, se eles quiserem crescer, precisarão de provar que se encaixam e podem desempenhar um papel de qualidade.
Sem contar ainda que há problemas ligados à remuneração, que costuma ser muito díspar entre certas categorias. Portanto, despedaçar esse ciclo é desafio da gestão pública moçambicana, que precisa de oferecer oportunidades e mais igualdade entre os servidores. Podemos ainda apontar os desafios ligados a eficácia dos processos, muitas vezes prejudicada pela burocracia excessiva, morosidade das etapas e a própria falta de capacitação específica dos servidores para atender as demandas dos cidadãos.
É preciso ainda incorporar a tecnologia no sector não só de qualidade e de ponta, porque há uma falta de preparação para lidar com tais instrumentos, bem como uma resistência na mentalidade do próprio segmento em submeter o trabalho a um software. Muitos dos servidores da função pública moçambicana ainda são funcionários de carreira, sem contar que existem diferentes departamentos internos que compõem a estrutura do poder público. Antes que me esqueça de o abordar, um dos grandes males que constituem igualmente os desafios da função publica é optimizar a divisão do capital a fim de que ele atenda a todas as esferas sociais e sobretudo as que anteriormente já referi, a divisão de maneira justa dos recursos para saúde, educação, segurança e outras áreas afins.
VN: Que perspectivas a aventar para o futuro?
Ansiamos que nos próximos quinquénios, a nossa função pública recupere os valores verdadeiros através da promoção da ética, disciplina, integridade, auto estima, deontologia profissional e a transparência, transversalmente no cumprimento rigoroso das normas e procedimentos na prestação para elevada qualidade de serviços. Não só, mas também toda esfera funcional que cultive o espírito e a cultura de paz laboral uma vez que elas constituem como um ingrediente indispensável para a prossecução dos objectivos da organização para bem servir ao cidadão com base nos princípios de meritocracia, excelência e humanismo.
*Achegar Tiodósio Matias,
Professor Doutorando em Ciências da Comunicação
– UCM-Nampula/Faculdade de Educação e Comunicação Mestrado em Sociologia do Trabalho e das Organizações Licenciado em Ciências Jurídicas pelo ISM-Maputo Coautor da Revista Debates Pautas Insubmissos-Brasil
Email: achegartiomatias989@gmail.com