Os maiores travões do desenvolvimento de Moçambique:
Por Dr. Tomás Selemane
A promoção do ódio e da violência
Por razões históricas, ao longo da trajectória de construção da nação moçambicana, a nossa sociedade desenvolveu uma cultura política de promoção do ódio e do recurso à violência como mecanismo de contestação política e de auto-afirmação.
A enraizada cultura política de promoção do ódio contra os que pensam diferente, e consequente promoção da convicção de que a violência é justificável sempre que estamos diante de quem pensa diferente de nós, de quem pertence a outro partido político, de quem provém doutra província ou distrito ou etnia/tribo, de quem não professa a nossa religião.
O meu argumento é o seguinte: a cultura política que desenvolvemos desde o tempo da luta armada de libertação nacional tem sido um fermento para a promoção do ódio uns para com os outros e da violência contra o outro. E, por esse andar, nós não conseguiremos tempo e capacidade de juntar esforços a nível nacional para construirmos mais furos de água, melhores estradas, mais e melhores escolas e centros de saúde, mais produção agrícola, mais postos de trabalho, enquanto continuarmos a pensar que o amor ao próximo, o direito ao bem-estar social e económico, a paz social e política só nos merecem a nós do mesmo partido, da mesma província, da mesma etnia. É pois nesses termos que a promoção do ódio funciona como um grande travão do desenvolvimento nacional.
Para não traçar um percurso histórico demasiado longo, vou me limitar aos últimos 60 anos. Durante a luta de libertação nacional (1964-1974), o ódio entre moçambicanos que lutavam em diferentes trincheiras – uns do lado do exército colonial e outros do lado do exército moçambicano – foi promovido e usado como factor instigador da violência. Ainda hoje existe a convicção, embora nunca provada, de que sem esse ódio, talvez não tivesse sido possível a luta pela independência nacional. Quando chegou a independência nacional em 1975, a nossa sociedade ainda vivia sob esse manto de ódio entre moçambicanos que tinham estado em lados opostos nos 10 anos anteriores da luta de libertação nacional.
Dois anos após a independência nacional, não conseguimos matar a cultura de ódio, que se agudizou até chegar ao nível daquela sangrenta guerra dos 16 anos. Até à altura da assinatura do Acordo Geral da Paz (AGP), a 4 de Outubro de 1992, a nossa sociedade alimentava a cultura de odiar-se mutuamente. Como referi no texto sobre a ausência da reconciliação nacional, nós não conseguimos traduzir o AGP em acções concretas de convivência social, económica e cultural. Não admira, por isso, que a guerra terminada em 1992 tenha igualmente servido como um sinal, a alguns moçambicanos, de que em Moçambique a contestação política só tem sucesso quando se usam armas.
A abertura do espaço político, que permitiu o surgimento de novos partidos políticos a partir da Constituição de 1990 e a realização de eleições regulares deveriam ter servido de encorajamento para uma convivência mais tolerante, sem ódio nem promoção e aceitação da violência, mas eis que temos feito das eleições um factor de conflito. Conseguimos mesmo o infeliz feito de sermos o único país desta região de África que entra em conflito a seguir a todas as eleições.
A guerra de 2012 ou “guerra de Muxúnguè” – eufemisticamente chamada de “hostilidades militares” não foi apenas um conflito pós-eleições de 2009 e o fracasso do diálogo entre a Frelimo e a Renamo, foi sobretudo uma reafirmação dessa cultura política de ódio e de violência. Depois veio aquele “Acordo de Cessação das Hostilidades Militares” que só serviu para viabilizar as eleições de 2014. Mas o ódio e a violência continuaram. Chegámos às eleições de 2019 e todos esperávamos que elas fossem diferentes, que depois delas o país vivesse um sossego, paz e tranquilidade, sem ódio.
Contra todas as nossas expectativas e nossos desejos, o nosso país vive actualmente duas guerras: uma em Cabo Delgado, onde terroristas nacionais e estrangeiros já mataram mais de 200 pessoas, destruíram muitos bens públicos e privados, obrigou a deslocação de mais de 800 mil pessoas. Ninguém consegue estimar quando é que aquela guerra vai terminar. E temos outra guerra na zona centro – nas províncias de Manica e Sofala – da autoproclamada Junta Militar da Renamo, que também mata, destrói e impede o país de se desenvolver.
A par dessas duas guerras, os últimos anos têm sido de mudança das arenas de manifestação de ódio e da violência do campo militar para o assassinato de carácter. Se aquelas duas guerras são geograficamente localizáveis, a guerra da promoção do ódio nas redes sociais, particularmente no Facebook e nos grupos de Whatsapp. Essas plataformas digitais têm sido de uma grande utilidade na conexão entre familiares, amigos, colegas e membros dos núcleos nas nossas comunidades. Mas também é naquelas plataformas que nos dias que correm se destila ódio contra os que pensam diferente. É por lá que se disseminam notícias falsas (fake news) com o propósito de instigar o ódio e destruir o bom nome dos outros.
O mais preocupante nesta nova onda de violência é o facto de nós cristãos católicos não estarmos a conseguir marcar diferença. Ainda não conseguimos ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt. 5, 13-16) como nos ensina a Sagrada Escritura. Vemos com tristeza a participação activa nalguns casos, e passiva nos outros casos (por via do silêncio) de irmãos nossos nessas sagas de promoção do ódio e da violência contra quem definimos como sendo diferente de nós.