A política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum

O Papa Francisco no capítulo V da encíclica Fratelli Tutti afirma que para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum.
A necessidade duma política melhor que esteja ao serviço do bem comum hoje, infelizmente, é contrastada por uma política que assume formas que dificultam o caminho para um mundo diferente.
Populismos e liberalismos
«O desprezo pelos vulneráveis pode esconder-se em formas populistas que, demagogicamente, se servem deles para os seus fins, ou em formas liberais ao serviço dos interesses económicos dos poderosos. Em ambos os casos, é palpável a dificuldade de pensar num mundo aberto onde haja lugar para todos, que inclua os mais frágeis e respeite as diferentes culturas (155).
Os grupos populistas fechados deformam a palavra «povo», porque aquilo de que falam não é um verdadeiro povo. De facto, a categoria «povo» é aberta. Um povo vivo, dinâmico e com futuro é aquele que permanece constantemente aberto a novas sínteses assumindo em si o que é diverso. E fá-lo, não se negando a si mesmo, mas com a disposição de se deixar mover, interpelar, crescer, enriquecer por outros; e, assim, pode evoluir (160).
A grande questão é o trabalho. Ser verdadeiramente popular – porque promove o bem do povo – é garantir a todos a possibilidade de fazer germinar as sementes que Deus colocou em cada um, as suas capacidades, a sua iniciativa, as suas forças. Esta é a melhor ajuda para um pobre, o melhor caminho para uma existência digna. Por isso, insisto que “ajudar os pobres com o dinheiro deve sempre ser um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho”… Numa sociedade realmente desenvolvida, o trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se corresponsável no desenvolvimento do mundo e, finalmente, viver como povo (162).
A categoria de povo, que inclui intrinsecamente uma avaliação positiva dos vínculos comunitários e culturais, habitualmente é rejeitada pelas visões liberais individualistas, que consideram a sociedade como uma mera soma de interesses que coexistem. Falam de respeito pelas liberdades, mas sem a raiz duma narrativa comum. (163)
A caridade caminho de transformação
Portanto, nem o populismo nem o liberalismo são caminho eficaz de transformação da história. Porém a verdadeira caridade é capaz de incluir tudo isto na sua dedicação; e se se deve expressar no encontro de pessoa a pessoa, também consegue chegar a uma irmã, a um irmão distante e até desconhecido através dos vários recursos que as instituições duma sociedade organizada, livre e criativa são capazes de gerar. O amor ao próximo é realista, e não desperdiça nada que seja necessário para uma transformação da história que beneficie os últimos (165).
A mudança necessária
A consistência de tudo isto poderá ser bem pouca, se perdermos a capacidade de reconhecer a necessidade duma mudança nos corações humanos, nos hábitos e estilos de vida. É o que acontece quando a propaganda política, os meios e os criadores de opinião pública persistem em fomentar uma cultura individualista e ingénua à vista de interesses económicos desenfreados e da organização das sociedades ao serviço daqueles que já têm demasiado poder (166).
A tarefa educativa, o desenvolvimento de hábitos solidários, a capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral, a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar qualidade às relações humanas, de tal modo que seja a própria sociedade a reagir face às próprias injustiças, às aberrações, aos abusos dos poderes económicos, tecnológicos, políticos e mediáticos. Há visões liberais que ignoram este fator da fragilidade humana e imaginam um mundo que corresponda a uma determinada ordem que poderia, por si só, assegurar o futuro e a solução de todos os problemas (167).
Movimentos Populares
169. Em determinadas visões económicas fechadas e monocromáticas, parece que não têm lugar, por exemplo, os Movimentos Populares que reúnem desempregados, trabalhadores precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já estabelecidos. Na realidade, criam variadas formas de economia popular e de produção comunitária. É necessário pensar a participação social, política e económica segundo modalidades tais «que incluam os movimentos populares e animem as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com aquela torrente de energia moral que nasce da integração dos excluídos na construção do destino comum» e, por sua vez, se incentive a que «estes movimentos, estas experiências de solidariedade que crescem de baixo, do subsolo do planeta, confluam, sejam mais coordenados, se encontrem».143 Mas fazê-lo sem trair o seu estilo caraterístico, porque são «semeadores de mudanças, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo, como numa poesia».144 Neste sentido, são «poetas sociais» que à sua maneira trabalham, propõem, promovem e libertam. Com eles, será possível um desenvolvimento humano integral, que implica superar «a ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres, e muito menos inserida num projeto que reúna os povos».145 Embora incomodem e mesmo se alguns «pensadores» não sabem como classificá-los, é preciso ter a coragem de reconhecer que, sem eles, «a democracia atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai-se desencarnando porque deixa fora o povo na sua luta diária pela dignidade, na construção de seu destino» (169).