MOÇAMBIQUE: DA OPOSIÇÃO MORIBUNDA AO DECLÍNIO DA DEMOCRACIA
Por Dr Deolindo Paúa
A democracia é habitualmente entendida como a forma de coexistência política e social entre pessoas com diferença de ideias. Com ela, supõe-se que os homens que vivem numa sociedade tenham, tal como é sua natureza e seu direito, pontos de vista diferentes. Por isso, no seio da sociedade em que vive, cada um vê a verdade de forma diferente. Por isso também cada um tem a sua própria forma de fazer as coisas para chegar a um objectivo satisfatório.
Na arena política, a democracia aglutina diferentes visões de governação. Cada pessoa, cada partido, cada grupo de sociedade civil tem a sua própria visão sobre como o país devia ser governado para criar o bem-estar de todo o povo. Assim, quem está no poder deve se esforçar para demonstrar que a ideologia do seu partido sobre o ideal de boa governação é a melhor. Igualmente, quem está fora do poder e almeja chegar a ele, deve se esforçar para provar que a ideologia de quem governa não é suficientemente eficaz para criar o efeito desejado por todos que é o bem-estar do povo. É assim que funciona uma democracia saudável e desejável.
Em condições normais, esta oposição que deve ser saudável e resumida apenas na diferença de ideologias leva a boa-governação. Pela pressão da oposição, quem assume o poder tem medo de perdê-lo, por isso faz tudo (ou devia fazer tudo) para satisfazer aos cidadãos e demonstrar que ele é a melhor opção. É por isso que se diz que a boa governação é resultado de uma boa oposição.
Num país onde a oposição é actuante, forte, patriota e inconformada, quem assume o poder sente a responsabilidade obrigatória de se comprometer com os anseios de quem lhe elegeu. A oposição, em todos os seus sentidos, funciona como fiscal das actividades de quem assumiu o poder. Por isso, mais do que um grupo de pessoas pessimistas e que ficam atentas aos erros do governante para deles se aproveitarem e fazer sua propaganda política, a oposição deve ser e continuar crítica. A oposição deve posicionar-se a favor do povo, continuar atenta a possíveis desvios do contrato social. O objectivo de uma oposição, ao invés de sabotagens inoportunas ao governo, deve ser o de detectar a tempo práticas contrárias à lei e ao projecto de construção nacional para poder inviabilizar.
Importância da oposição
Entendida desta forma, podemos dizer que no passado, foi por meio de uma oposição crítica e patriótica que em alguns países, presidentes corruptos foram destituídos; foi por meio de uma oposição construtiva que foram abordados planos tirânicos em países de democracia operante; é por meio de uma oposição atenta e focada nos objectivos nacionais que a justiça social é instalada, a vontade popular é respeitada e os anseios do povo são realizados. Uma oposição, investindo no seu compromisso patriótico de ansiar a governação por meio de uma ideologia que acha correcta faz um controle cerrado a administração do Estado.
A oposição não é, portanto, algo a combater ou a eliminar, mas pelo contrário, algo a solidificar e a recomendar. A forma mais baixa e vergonhosa de fazer política que se pode observar em países democráticos como o nosso é aquela que ocupa o governante e seus seguidores no combate a sua oposição política. O que seria dos países sem uma oposição política?
Modelo problemático moçambicano de oposição
Desde a independência, Moçambique já experimenta uma oposição ao poder constituído. Desde os tempos da fundação do Estado, com os chamados reaccionários que não concordavam com o modo que se assumiu o poder, passando pela igreja que, comprometida com os direitos humanos, não concordava com o modo violento de imposição da ordem nacional depois da independência, passando também pelo tempo da crise política e social dos 16 anos, até a constituição formal do Estado democrático, houve sempre vozes gritantes e insurgentes contra o modo de exercício de poder. A democracia popular supostamente implantada por Samora Machel não sobreviveu, graças a uma oposição operante. No seu lugar foi colocada a democracia eleitoralista. Com efeito, desde a Constituição da República de 1990, abre-se uma nova forma de fazer oposição. Uma oposição pública e formal e não como a do passado que era clandestina e informal.
Não se pode negar que apesar de ainda prevalecerem desafios para a sua melhoria, a nova democracia ajudou na construção de um novo Moçambique. Um Moçambique com alguns direitos e liberdades alcançadas. Um Moçambique que formalmente aceita visões diferentes sobre a realidade. Apesar das perseguições políticas que ainda se observam contra alguns que pensam diferente do poder constituído e da visão considerada oficial, existe consciência sobre a ilegitimidade dessas práticas de perseguição clandestina. Aliás, existe também consciência de que essas perseguições são movidas por um espírito egoísta de se manter no poder contra a vontade das pessoas que devem normalmente decidir.
O multipartidarismo
O surgimento de cada vez maior número de partidos políticos e organizações da sociedade civil activas no cenário nacional moçambicano demonstra o rumo certo em que estamos na construção de novas ideologias para o desenvolvimento. O que se espera é que esses partidos tenham o activismo necessário, que até aqui não demonstraram. Vários partidos da oposição com activismo e ideologia recomendáveis seriam uma conquista para o desenvolvimento. Colocariam quem governa na obrigação de trabalhar exclusivamente no compromisso da qualidade de governação e da vontade popular e não mais com compromissos de grupos étnicos ou partidários.
Moçambique já teve partidos da oposição e líderes activos. Os moçambicanos já experimentaram alternância política recomendável. Hoje, apesar do tendente crescimento da nossa democracia, e do relativamente favorável espaço para fazer política, para fazer oposição formal e de qualidade, os partidos políticos da oposição parece terem afrouxado. Parece terem-se rendido ao modelo de governação do partido que governa o país.
Já não se ouve mais aquelas vozes discordantes a reclamar e exigir qualidade na governação em nome do povo. Se existem essas vozes, gritam apenas por conveniência e não porque se sensibilizam com o drama da pobreza, da guerra, da corrupção e do nepotismo em que o país se mergulha cada vez mais a cada dia. Por onde andam os partidos políticos da oposição? Ser partido não é apenas preencher pressupostos legais para concorrer as eleições. Ser partido da oposição é também fazer-se legítimo participando e comungando das reclamações e dores do povo.
Nos nossos dias, a injustiça aumenta de tom, a violência ganha espaço, a pobreza do povo torna-se norma enquanto líderes do país vivem na opulência de reis. A insegurança está instalada. O crime e a guerra são regra de vida. Quem devia gritar e exigir a quem governa reposição da ordem desapareceu. A oposição tornou-se moribunda numa altura em que deveria actuar. Estamos, estranhamente numa altura de democracia sem oposição. Espero que a morte dos líderes mais influentes dos maiores partidos políticos da oposição não altere a contundência da oposição. A bem do povo, esperamos que os partidos reassumam seus papéis. Sem oposição, a tirania se instalará novamente sem dúvidas e a desgraça tomará conta das nossas vidas.