A fraternidade é a nova fronteira da humanidade
Por Pe. Massimo Robol
«Não há alternativa: ou construímos juntos o futuro ou não haverá futuro. De modo particular, as religiões não podem renunciar à tarefa impelente de construir pontes entre os povos e as culturas. Chegou o tempo de as religiões se gastarem mais activamente, com coragem e ousadia e sem fingimento, para ajudar a família humana a amadurecer a capacidade de reconciliação, a visão de esperança e os itinerários concretos de paz». Com esta visão, a 4 de Fevereiro de 2019, o Papa Francisco e o Grão Imã de Al-Azhar (a Universidade islâmica do Cairo) Ahmad al-Tayyeb assinaram em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, o Documento sobre a Fraternidade Humana em prol da Paz e da Convivência Comum.
Alguns dirão que se trata de mais um documento que corre o risco de cair no esquecimento público, como tantos outros. Este é o perigo que temos de evitar se estivermos verdadeiramente preocupados com o bem da família humana.
Face a uma humanidade ferida por tantas divisões, conflitos e sofrimentos, o Papa e o Grão Imã mostram que a promoção da cultura do diálogo, do encontro e do conhecimento do outro não é uma utopia, mas a condição necessária para viver em paz e deixar às gerações futuras um mundo melhor do que aquele em que vivemos.
Por isso, o Documento pretende ser um convite a todas as pessoas, “que trazem no coração a fé em Deus e a fé na fraternidade humana, a unir-se e trabalhar em conjunto, de modo que tal Documento se torne para as novas gerações um guia rumo à cultura do respeito mútuo, na compreensão da grande graça divina que torna irmãos todos os seres humanos”.
O texto do Documento sobre a Fraternidade Humana enfrenta, chamando-os pelo nome, alguns dos problemas mais urgentes do nosso tempo, convidando crentes e pessoas de boa vontade a um exame de consciência e a assumir com confiança e determinação as suas responsabilidades na construção de um mundo mais justo e inclusivo.
Simpósio em Anchilo
O apelo final dos dois signatários, para que o Documento fosse divulgado nas várias esferas da vida civil, política e religiosa, foi acolhido também por algumas confissões religiosas presentes na Província de Nampula. Assim, o Centro Catequético “Paulo VI” do Anchilo – Nampula, a Comissão Arquidiocesana para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso, a Comunidade de Sant’Egídio, em colaboração com a Plataforma dos Clubes de Paz de Nampula, (Conselho Islâmico de Moçambique – CISLAMO e Conselho Cristão de Moçambique – CCM), organizaram dois encontros de estudo e reflexão sobre esta declaração, que tiveram lugar no Centro Catequético “Paulo VI” do Anchilo, nos dias 19 e 20 de Maio de 2021.
Nos dois eventos participaram crentes muçulmanos e membros da religião cristã, incluindo católicos e protestantes. Após a apresentação do Documento sobre a Fraternidade Humana, o programa dos encontros desenvolveu alguns aspectos do texto através de uma série de temas. O primeiro tinha como título: “O papel das religiões na construção da paz, como fruto social do compromisso espiritual”. O orador, o Rev. Daniel Joaquim, Pastor da Igreja Evangélica de Cristo, afirmou que a religião é, por sua natureza, fonte de comunhão entre os crentes. Como tal pressupõe os valores da solidariedade e da fraternidade, caminhos para gerir a coexistência humana, para interpretar as diferenças que existem entre nós e para desanuviar os conflitos.
A comunhão é o fruto do amor, que deve levar à acção, para o bem de todos, independentemente da afiliação religiosa, social, étnica ou cultural.
A tarefa principal de cada crente é fazer com que a religião se torne meio para defender e promover a paz e a justiça, a dignidade humana e o cuidado do ambiente. Portanto, a oração, o diálogo, o respeito e a solidariedade são antídotos contra o terrorismo, o fundamentalismo e todos os tipos de guerra e violência.
O segundo tema ajudou os participantes a reflectir sobre a “Fraternidade humana e liberdade religiosa: dois pressupostos para uma convivência civil”. Animou a palestra o Pe. Eduardo A. Roca Oliver, sacerdote Fidei Donum espanhol que trabalha em Pemba e é Responsável do Centro Inter-religioso para a Paz – Pemba. O ponto de partida foi a afirmação que a liberdade é um direito de toda a pessoa: todos gozam de liberdade de crença, pensamento, expressão e acção porque somos todos membros da única família humana. O pluralismo, não só religioso, da nossa sociedade é uma realidade que nos convida a reflectir sobre a nossa identidade sem a qual não existe um autêntico diálogo inter-religioso. Não dizemos que todas as religiões são iguais, mas que todos os crentes, aqueles que procuram Deus e todas as pessoas de boa vontade, têm igual dignidade. O justo é que haja a religião, o bom é que todos possam praticar a própria religião. Temos, portanto, de nos empenhar para que Deus, que nos criou, não seja razão para a divisão, mas sim para a unidade e a comunhão.
O terceiro tema tinha como título: “A cultura do diálogo como método de conhecimento mútuo e forma de colaboração”. O orador, o Sheikh Jamal Mussa Ibrahimo, do Conselho Islâmico de Moçambique – CISLAMO, afirmou que o diálogo é essencial para reforçar os laços da fraternidade humana, para construir um mundo pacífico e uma coexistência comum. Devemos adoptar a cultura do diálogo como caminho, como forma de colaboração, como método de conhecimento mútuo e como critério comum. Escolhe-se o diálogo para rejeitar conflitos e progredir no conhecimento mútuo. Ao conhecermo-nos melhor, será possível apreciar os valores presentes no outro. E os elementos comuns podem abrir espaços de colaboração para o bem comum de diferentes povos. Assim, será possível passar da mera tolerância à coexistência fraterna. A abertura aos outros e o reconhecimento da origem comum é o primeiro passo para nos afastarmos dos muros levantados pelo medo e pela ignorância e para tentarmos juntos construir aquelas pontes de amizade que são fundamentais para o bem de toda a humanidade. O Documento sobre a Fraternidade Humana é uma exortação a olhar com misericórdia para a vida dos outros, a ter compaixão pelos pobres, a trabalhar juntos pelo bem da nossa Casa Comum que é a Criação. Nessa linha, os participantes do encontro de Anchilo lançaram a proposta de continuar esta caminhada de diálogo, de encontro e colaboração entre as confissões religiosas, no compromisso para cuidar da nossa Casa Comum e encontrar soluções para a paz no nosso País através da criação de um grupo de reflexão inter-religioso.