Crónica – ESTE HOMEM NÃO É DA NOSSA TERRA

“Todo o reino, dividido contra si mesmo, fica devastado; e toda a cidade ou casa, dividida contra si mesma, não poderá subsistir. Ora, se Satanás expulsa Satanás, está dividido contra si mesmo: como há-de subsistir o seu reino? E, se Eu expulso os demónios por Belzebu, por quem os expulsam, então, os vossos discípulos?” (Mt 12,25-27)
Uma das estratégias mais antigas que o espírito mau usa para confundir e derrotar a humanidade é a velha táctica de dividir para reinar. Esta é uma técnica de batalha tão efectiva e maquiavélica que a própria humanidade, sob a influência do espírito mau, tem reproduzido desde épocas antigas. A história faz-nos reviver a memória de líderes como Júlio César, Lisandro de Esparta, Filipe da Macedónia, Napoleão e muitos outros que utilizaram dela para construir suas guerras e campanhas bélicas e derramar o sangue de milhares de pessoas apenas para satisfazer seus caprichos.
Não é preciso muito esforço nem lupa para notar que a sociedade na qual vivemos, está dividida. Vamos lá dizer em linguagem mais clara e objectiva; a realidade social fragmenta-se diariamente em pedaços cada vez menores; grupos políticos, religiosos, étnicos, sociais, de gênero e muitos outros estão se subdividindo repetidas vezes e guerreando tanto entre si quanto uns contra os outros; dividiram o mundo em continentes, em países em raças, em fronteiras em regiões, etc.
As divisões antigas reproduzem novas divisões ainda mais profundas, dentro e fora dos grupos já existentes, e já enfraquecidos. E o demónio está aí aplaudindo a cada um para que continuem a rivalizar mais, despedaçar mais e faltar união, comunhão, harmonia, bem-estar, etc. Vejamos, por exemplo, que há partidos políticos surgidos da divisão de outros, casamentos que nascem da mesma sorte de divisão, igrejas que se despedaçam gerando outras seitas, grupos sociais sofrendo rupturas tão violentas e dolorosas que tornam-se incapazes de caminhar na mesma direção, ou mesmo de, simplesmente permanecerem frente a frente sem que uma guerra urbana ocorra. Existem inúmeros exemplos que podemos perceber com relativa facilidade ao nosso redor.
Tudo isso está, na verdade, produzindo uma quantidade assustadora de histerias sociais que vão corroendo os pilares, estilhaçando a cada um em fragmentos cada vez menores e mais fracos até chegar a um ponto de colapso e ruína. Nosso dever é, portanto, discernir com clareza e lucidez para não sermos influenciados por pessoas facciosas, líderes ou membros, das instituições sociais ou religiosas, que tentam criar divisões internas ou externamente, pois o caminho que trilham, embora possa até não parecer, leva unicamente à ruína.
A lei da natureza é certeira. O ser humano nasce, cresce, desenvolve-se, reproduz-se se tiver sorte e morre. Ninguém escolhe onde nascer. Ninguém tem opção de escolher os seus progenitores, muito menos a capacidade de contrariar o destino. Mesmo que haja pessoas que odeiem os seus pais por se julgarem indignos deles, Deus os colocou no mundo por meio deles. Aliás, é recorrente ouvir-se que fulano X ou Y matou sua mãe, sua avó, seu tio, seu avô porque julgou que era feiticeira. Que injúria e espírito mau. Esse homicida é irracional!
O ser humano não tem o direito de tirar a vida a si próprio ou a outrem. Mas tem sim a liberdade de escolher onde ir viver e que caminhos seguir para realizar seus objectivos. É por isso que há movimentação de pessoas de um lado para o outro. O famoso êxodo rural.
Além disso, o nº 1 do Artigo 6 da Constituição da República de Moçambique define que “O território da República de Moçambique é uno, indivisível e inalienável, abrangendo toda a superfície terrestre, a zona marítima e o espaço aéreo delimitados pelas fronteiras nacionais”.
Assim, qualquer moçambicano, onde quer que esteja, está no gozo pleno dos seus direitos como moçambicano. Nada lhe impede de exercer tarefas sociais. Por isso vemos naturais de Nampula trabalhando em Niassa ou os de Cabo Delgado trabalhando em Nampula, etc, etc.
Só que por vezes há alguns exageros quando vemos que só os machuabos enchem no Maputo e outras províncias como empregados domésticos. Ou quando os de Maputo enchem em todas províncias do país ocupando os postos de trabalho por afinidade, amizade, nepotismo, padrinhismo, regionalismo, grupismo, corrompismo, etc.
Entretanto, há pessoas com ódio cujos corações continuam aversos aos que chegam ou vivem na sua terra e trabalham ao serviço do povo. Não faltam vozes de concidadãos que dizem “este não é nosso conterrâneo por isso não pode ser nosso chefe nem nos pode mandar”.
Afinal de contas quem é que não veio aqui no mundo? Quem é que desde o princípio do mundo vivia aqui? Todos nós somos vientes. Ninguém é dono do lugar onde vive. Por isso que é descabido negar a liderança de pessoas de outras províncias ou distritos sob pretexto de ser viente.
É comum, por exemplo, encontrar líderes comunitários e religiosos que são fortemente odiados por seus comparsas ou pelo povo por não serem naturais da localidade, e aí exercerem liderança sobre o povo.
De onde encontram essa lei que proíbe pessoas de Nampula serem líderes em Inhambane ou em Morrumbala? De onde veio a norma segundo a qual só pode ser líder comunitário ou religioso em Maputo apenas os que nasceram em Maputo? Não somos todos moçambicanos? Não somos todos cidadãos que gozam dos mesmos direitos e deveres?
O princípio da igualdade perante a lei e oportunidades aplica-se, em norma geral, para todos moçambicanos, sem exclusão de sua origem. Portanto, nada determina que o ódio acenda no coração de incompetentes que se oportunam com a pele de ser natural para inviabilizar o trabalho dos outros. Ouviu bem? E mais não disse!
Por Kant de Voronha