Os Caminhos Arriscados do Homem de hoje

“Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de ferimentos, o abandonaram, deixando-o meio morto” (LC. 10. 29-30).
Queremos referir do mundo actual em que o homem dúvida de tudo e menos nada muito mais quando não confia algo ou alguém na sua vida em todos os sentidos, vivendo apenas pela graça do seu criador, Deus.
Cabe perguntar desde já: quem é o homem vulnerável que os salteadores de hoje atacam? E em que caminhos? Para onde fica Jerusalém e para onde é Jericó? E quem são os salteadores de serviço entre Jerusalém e Jericó? Conhecemo-lo suficientemente, contamos com eles, actuam às claras ou escondem-se na noite?
Comecemos por elaborar uma listagem: quais políticos em campanha, daqueles que jazem nas atualmente nas bermas dos caminhos que vão a Jericó ou Dubai, para Abu Dabi ou África do sul, para Maputo ou Ilha de Moçambique. E por que não também nos caminhos ou corredores das nossas machamba e até, bem perto, nos dos nossos super mercados…
Agora vejamos as dificuldades que alguns grupos de pessoas enfrentam na vida quotidiana:
- Os idosos: são os que pedem cada vez mais aí o prato da balança etária e a verdade nunca estamos suficientemente preparados para envelhecer e, menos ainda, de cuidar das pessoas que, tanto gasto as suas energias na construção do mundo e do Reino, requerem agora especiais necessidades de apoio. Descobrimos de dar mais anos à vida, mas ainda nos falta sabedoria para darmos mais vida aos anos. Bastante se faz pelos idosos hoje, e os religiosos estarão na primeira linha desse fazer, mas muitos idosos passam os últimos anos da sua vida terrena marginalizados, mergulhados na depressão, na solidão e no desespero.
- Os doentes terminais: são os despedidos dos hospitais sem esperança de cura e, não raro, abandonados aos seus próprios cuidados ou aos da família, que muita das vezes não existe ou está indisponível, ficam condenados a morrer sem dignidade.
- Os dependentes: Os dependentes de drogas, muitos dos quais entram num caminho sem retorno com passagem quase obrigatória pela contaminação pelo vírus do SIDA; os dependentes do jogo, que derretem em horas o que eles ou familiar ganham para poder viver com decência; os dependentes do álcool, portadores de uma doença às vezes não reconhecida como tal e não tratada, mas capaz de infernizar todos os ambientes ambientes onde o dependente se move: recorramos aqui aos confessores que um pequeno estudo sobre a doença apoiará o aconselhamento no confessionário.
- Os acusados pelos média: referimos aqui gente violada na sua interioridade e privacidade, não raro com suspeitas à margem da verdade. Que digam os psiquiatras quantos recorrem aos seus serviços!
- As vítimas de poluição: Agredidos pelos efeitos da tecnologia dos países ricos que, depois de nós intoxicarem a todos, num total desrespeito pela natureza faturando sem pudor os seus ecossistemas, acabam ainda por comprar os subsolos dos mais pobres, a troco de alguns dólares para saciar as suas muitas carências, impingido-lhes os seus resíduos tóxicos e nucleares.
- Vítimas da dívida externa: Povos recém libertados de processos coloniais, que aínda não tiveram espaço nem tempo para organizar a sua cidade e que matam a fome aumentando sempre mais a sua crucificante dependência dos pobres.
- Vítimas de globalização: Aqueles que o mercado mundial integrado prometeu sentar à mesma mesa, na ideia global, mas que afinal o poder desumanizador dos mais fortes acaba por remeter para situações gritantes de subdesenvolvimento.
- Gente de rosto indefinido: Falamos agora dos que são menos válidos física ou mentalmente, dos sem abrigo que (só em Nampula dizem que são….?), dos presos, dos emigrantes clandestinos, dos homossexuais, das mulheres abandonadas, dos filhos mal amados, enfim, daqueles para os quais gostaríamos de arranjar, e muitas vezes arranjamos psicologicamente, outros mundos onde achamos que devem viver. Passamos então de irmão a juízes.
Seria bom, seria normal: atrevemo-nos a dizer que estes grupos fossem diminuídos cada vez mais à medida que os anos passam, que as técnicas terapêuticas e assistências se valorizam, que as ferramentas económicas e de gestão se aperfeiçoam. Infelizmente não é assim.
José António Pagola, na sua revista Vida Nueva (Fevereiro, 2000), com o título: para uma cultura da solidariedade, afirma que “a pobreza marginalizadora é um produto calculado do desenvolvimento”. E sabemos como, cada dia, se vão desenhando novos pobres, novos caídos, o que parece inevitável se, como afirma o autor, “aceitamos como normal […] que o desenvolvimento e Bem-Estar de um sector da população traga consigo a exclusão de outro sector”.
A sociedade actual tem uma configuração estratificada em três blocos bem diferenciados, entre os quais se erguem barreiras, quais cercas de arame farpado.
No primeiro sector vivem os integrados, que estão seguros dentro do sistema, com trabalho, dinheiro, posição social e nível de vida assegurado. Normalmente preferem não pensar nas vítimas da crise económica e neles cresce facilmente a indiferença e o individualismo. A estes serve-lhes o arame farpado para auto proteção.
No segundo sector vivem os que estão em situação de estabilidade ameaçada, na iminência do desemprego, com contratos de trabalho temporários, ausências antecipadas indesejadas, trabalho precário, a pensar nos filhos e na impossibilidade de dar uma formação adequada e sem qualquer tipo de garantia de emprego futuro, porque, se nada é estável agora, muito menos o será depois. Sentem-se importantes para cumprir projetos pessoais e sonhos…, arrastam-se pelos caminhos de angústia e do medo da iminência da queda. A cerca de arame farpado destes é mais psicológica que metálica e tem portas de vai-vem, mas aprisiona-os a insegurança da estabilidade ameaçada.
Já os do terceiro e último sector foram empurrados para dentro de cerca de arame farpado e não têm as chaves dos portões. Não têm possibilidade de integração na sociedade de bem-estar e sofrem um desgaste constante a nível económico, social e cultural. Tudo se deteriora, até mesmo as suas relações familiares. Acabam por perder a confiança em si mesmos e não vêem qualquer saída nem futuro. A estes serão os destinatários preferenciais do mundo samaritano.
Por Arlindo Titos Ricardo