O amor político
«Existe o chamado amor “elícito”: expressos os actos que brotam directamente da virtude da caridade. Mas há também um amor “imperado”: traduz os actos de caridade que nos impelem a criar instituições mais sadias, regulamentos mais justos, estruturas mais solidárias. É caridade acompanhar uma pessoa que sofre ou vive na miséria, mas é caridade também tudo o que se realiza para modificar as condições sociais que provocam o seu sofrimento: é a caridade política. (186).
Os sacrifícios do amor
Esta caridade, coração do espírito da política, é sempre um amor preferencial pelos últimos, que subjaz a todas as acções realizadas em seu favor. Só com um olhar cujo horizonte esteja transformado pela caridade, levando-nos a perceber a dignidade do outro, é que os pobres são reconhecidos e apreciados na sua dignidade imensa, respeitados no seu estilo próprio e cultura e, por conseguinte, verdadeiramente integrados na sociedade. Um tal olhar é o núcleo do autêntico espírito da política (187).
Isto demonstra a urgência de se encontrar uma solução para tudo o que atenta contra os direitos humanos fundamentais. Os políticos são chamados a “cuidar da fragilidade, da fragilidade dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura, luta e fecundidade, no meio dum modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à “cultura do descarte” (…); significa assumir o presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo de dignidade”. As maiores preocupações dum político não deveriam ser as causadas por uma descida nas sondagens, mas por não encontrar uma solução eficaz para “o fenómeno da exclusão social e económica, com suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo, incluindo a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e criminalidade internacional organizada” (188).
Amor que integra e reúne
A caridade política expressa-se também na abertura a todos. Sobretudo o governante é chamado a renúncias que tornem possível o encontro, procurando a convergência pelo menos nalguns temas. Sabe escutar o ponto de vista do outro, facilitando um espaço a todos. Com renúncias e paciência, um governante pode ajudar a criar aquele poliedro bom onde todos encontram um lugar (190).
Mais fecundidade que resultados
Na política, há lugar também para amar com ternura. “Em que consiste a ternura? No amor, que se torna próximo e concreto. É um movimento que brota do coração e chega aos olhos, aos ouvidos e às mãos. A ternura é o caminho que percorreram os homens e as mulheres mais corajosos e fortes”. No meio da actividade política, “os mais pequeninos, frágeis e pobres devem enternecer-nos: eles têm o direito de arrebatar a nossa alma, o nosso coração. Sim, eles são nossos irmãos e, como tais, devemos amá-los e tratá-los” (194).
Isto ajuda-nos a reconhecer que nem sempre se trata de obter grandes resultados, que às vezes não são possíveis. Na actividade política, é preciso recordar-se de que “independentemente da aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afecto e a nossa dedicação. Por isso, se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida. É maravilhoso ser povo fiel de Deus. E ganhamos plenitude, quando derrubamos os muros e o coração se enche de rostos e de nomes! Os grandes objectivos, sonhados nas estratégias, só em parte se alcançam. Mas, sem olhar a isso, quem ama e deixou de entender a política como uma mera busca de poder “está seguro de que não se perde nenhuma das suas obras feitas com amor, não se perde nenhuma das suas preocupações sinceras com os outros, não se perde nenhum ato de amor a Deus, não se perde nenhuma das suas generosas fadigas, não se perde nenhuma dolorosa paciência. Tudo isto circula pelo mundo como uma força de vida” (195).
Por outro lado, é grande nobreza ser capaz de desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros, com a esperança colocada na força secreta do bem que se semeia. Ao amor, a boa política une a esperança, a confiança nas reservas de bem que, apesar de tudo, existem no coração do povo. Por isso, «a vida política autêntica, que se funda no direito e num diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais” (196).
Vista desta maneira, a política é mais nobre do que a aparência, o marketing, as diferentes formas de maquilhagem mediática. Tudo isto semeia apenas divisão, inimizade e um cepticismo desolador incapaz de apelar para um projecto comum. Ao pensar no futuro, alguns dias as perguntas devem ser: Para quê? Para onde estou realmente apontando? (197)».
Por Pe António Bonato