OS PERIGOS DO PARTIDARISMO FANÁTICO
É possível militar um partido político sem ser fanático. Numa conversa com um amigo brasileiro, ele fez um comentário segundo o qual o problema que enfermava a democracia da sua terra era o fanatismo dos cidadãos. De acordo com ele, os cidadãos brasileiros fazem política e apoiam seus partidos de forma acrítica e os defendendo incondicionalmente. Ouvir aquela lamentação deixou-me desesperado porque achei que aquela democracia da qual ele mencionava graves defeitos fosse evoluída, tal como as outras democracias ocidentais que nos inspiraram. Entretanto, o comentário que ele fez, também me fez perceber as deficiências da nossa democracia. Pelas evidências incontestáveis que o dia-a-dia não para de nos apresentar, a democracia moçambicana também não tem a qualidade desejável, justamente porque os actores políticos e, sobretudo, os membros e simpatizantes de partidos políticos são fanáticos.
Mas o que é ser fanático?
Bom, o dicionário da língua portuguesa diz que a palavra “fanático” refere aquela pessoa que se apaixona cegamente por uma religião, ideia ou partido. Apaixonar-se cegamente significa não questionar sobre os princípios e a coerência dessa religião, ideia ou partido, limitando-se apenas a segui-los. O fanatismo pode ser entendido também como adesão absoluta a uma ideia e emprego a todos os meios, mesmo os mais violentos para a impor. Assim, o fanatismo caracteriza-se pelo domínio e imposição aos outros de uma religião, ideologia ou convicção.
Com essas características percebemos que qualquer tipo de fanatismo é perigoso. Ele pode ser a causa dos extremismos. Na ciência provoca ignorância, porque quem pensa que o que sabe é a verdade absoluta e inquestionável, nunca aprende, não evolui. Na religião o fanatismo faz pensar que a própria religião é perfeita e que é a única detentora da graça de Deus, a única verdadeira religião, a melhor religião em relação a todas outras religiões. Por isso, o fanatismo religioso provoca intolerância religiosa e violência. Podemos notar que a maior parte dos terrorismos são causados pela tentativa de pessoas fanáticas de impor sua religião aos outros. Na política o fanatismo estagna países, causa guerras, promove intolerância política e prejudica liberdades de pensamento e de expressão.
Democracia doentia e consequências sociais
O nosso país é constituído por um panorama de democracia ainda doentia porque ainda não aprendemos a conviver entre pessoas de partidos diferentes. Cada partido, junto com os seus militantes e simpatizantes, esforça-se a impor a sua verdade como a única. Por isso os conflitos são frequentes. Somos um país de guerras. Desde o meio rural a cidade, desde pessoas não intelectuais até as devidamente formadas, cultiva-se um fanatismo político triste.
Com efeito, é o fanatismo que faz com que dois vizinhos de partidos diferentes não se dirijam palavra e se tratem como estranhos; é o fanatismo que faz com que directores de escolas ameacem seus professores caso se filiem a um partido diferente do recomendado; é o fanatismo que torna os partidos políticos inimigos e não apenas adversários políticos; é o fanatismo político que faz com que em tempos de campanha eleitoral, caravanas de partidos diferentes se violentem mutuamente; é o fanatismo que faz com que pessoas devidamente formadas e conscientes adiram a opções de viciação de resultados eleitorais; é o fanatismo político que faz com que esquemas de fraude sejam desenhados, quem pensa diferente seja morto, jornais, rádios e televisões sejam incendiados, jornalistas e académicos com opinião íntegra sejam ameaçados. O fanatismo captura a democracia e dificulta o fluir das liberdades. Temos que dizer que foi o fanatismo, enquanto afirmação absoluta de uma ideologia como sendo a mais verdadeira que as outras, que precipitou o nosso país desnecessariamente a uma guerra civil de longos 16 anos. O fanatismo torna as pessoas estúpidas. Fomos capazes de matar milhões de pessoas (ainda matamos) apenas porque discordávamos nas nossas políticas.
Pertencer a qualquer partido político não é crime
No estágio em que nos encontramos como um país de democracia em construção, devíamos entender que pertencer a qualquer que seja o partido político não é um crime. Expressar a própria opinião e a própria orientação política é um acto de liberdade e de direito humano. Quando um cidadão acha que o seu partido é o mais certo e obriga aos outros por meio da violência a concordarem com ele, investe sua força física e psíquica para provar que seu partido não comete erros e que está sempre certo, isso significa que esse cidadão está sendo fanático.
O drama dos cidadãos fanáticos moçambicanos está no facto de eles pensarem que seus partidos, mesmo quando estão errados, eles estão sempre certos. Infelizmente temos em Moçambique muitos fanáticos militando partidos políticos. Há aqueles fanáticos que não querem que os erros de seus partidos sejam apontados. Quando alguém se atreve a apontar esses erros propondo soluções para a sua superação, insurgem-se. Mesmo contra factos, tentam fazer com que esses erros pareçam virtudes; mas também há aqueles fanáticos nos partidos que, movidos pelos seus interesses de ganhar simpatia, bajulam, divinizam quem tem poder e são capazes de atentar contra os direitos de qualquer um que colocar em causa a sua oportunidade de enriquecer.
O mais triste em toda esta situação é que os fanáticos são jovens, supostamente lúcidos, formados, que pela sua tentativa de sobreviver encontram na filiação incondicional a um partido, sobretudo àquele que controla o poder, a oportunidade de encontrar e manter seu pão. Muitos deles, não são fanáticos por convicção, mas por necessidade de sobrevivência. Por falta de opções para se empregar, são capazes de fazer qualquer coisa, até mesmo de defender ideias partidárias indefensáveis, desde que isso garanta a sua sobrevivência. São estes que mais preocupam a democracia do nosso país, porque se acobardam na solução de seus interesses egoístas, alienando a construção de uma democracia genuína.
O fanatismo trava o desenvolvimento
Não precisamos de dizer que o fanatismo atrasa a democracia e o desenvolvimento porque toda a gente já tem domínio sobre isso. Contra uma autoridade conseguida e sustentada por fanáticos é difícil encontrar uma saída fácil. A certa altura, todos sabemos que estamos sendo fanáticos, mas não estamos dispostos a mudar, porque nossa sobrevivência depende disso. Por isso, o professor tem medo de exigir seu direito de escolher sua filiação partidária, o director da escola tem medo de usar sua competência técnica nas tarefas que possam prejudicar seu partido, o polícia tem medo de negar uma missão mesmo sabendo que vai violar direitos humanos de cidadãos que exigem seus direitos, etc. A democracia e o desenvolvimento só são possíveis num país aberto e tolerante ao contrário. Jamais algum fanatismo criou o progresso. Talvez seja por esse fanatismo, por não termos a tradição de discutir ideias sobre o que é bom para o nosso país que hoje, depois de 46 anos de independência, ainda continuamos na linha da miséria.
O partidarismo fanático é anti-social e prejudica a convivência. Podemos ser membros de partidos políticos sem perdermos a integridade moral. Partidos crescem com críticas frontais e não com ovações tendenciosas e de fingimento. Só quando chegarmos a estatura de maturidade política de outros países compreenderemos que perdemos tempo nos combatendo do que procurando soluções; perdemos tempo cuidando de partidos do que do nosso país. A história demonstra que países mais ricos e prósperos cultivam o diálogo fraterno, por isso neles há famílias com filhos rezando em igrejas diferentes e pais militando partidos opostos. O que nos torna fanáticos não são nossas opções religiosas ou políticas, mas são nossas convicções egoístas e extremas que teimam em nos tornar politicamente imaturos.
Dr Deolindo Paúa