Para quem fica a herança de acordo com a legislação?
Questão de herança
A senhora Amina tem 3 filhos e divorciou-se do marido. Ela voltou para a casa dos pais que, porém, morreram de doença prolongada, depois de alguns anos. Ela permaneceu a viver na casa dos pais que foi confiada ao tio. Depois de algum tempo, o tio viajou e, para surpresa da Amina, um dia apareceu em casa um casal alegando ter comprado a casa do seu tio e que queriam tomar posse dela. Portanto, ela teve que deixar a casa dos pais porque o tio a vendeu sem o seu consentimento. Neste caso o que é que se pode fazer? A lei da família tutela o direito a conservar a herança dos pais para os filhos?
(Carta assinada – Nacala)
A situação apresentada pelo nosso leitor é bastante recorrente na nossa sociedade, tanto na zona urbana como na rural. Outra situação preocupante e bastante penosa é aquela em que filhos maltratam e noutras tiram a vida aos seus progenitores alegadamente porque são feiticeiros e os impedem de progredir na vida económico-financeira ou simplesmente com o intuito de ficar com os bens destes. Com esse modo de se comportar torna a velhice uma etapa da vida muito perigosa de se atingir.
Uma outra situação, também bastante penosa, tem a ver com o tratamento dado às mulheres viúvas. Não raras vezes, após a morte do seu cônjuge, a família do finado, desaloja a viúva de sua casa, com a justificação de que aquela casa e bens são sua pertença esquecendo que o seu familiar, já falecido, a construiu com a sua esposa.
Embora aconteçam um pouco por esse nosso vasto país, os dois factos, indicados na nota introdutória, não são objecto de análise da presente rúbrica de apoio jurídico ou aconselhamento jurídico mas sim, os instrumentos legais para a defesa ou obtenção da herança e os elementos com direito a ela!
Em primeiro lugar temos que posicionar ao nosso querido leitor que, o instrumento que versa sobre a herança é a Lei das Sucessões – Lei n.º 23/2019, de 23 de Dezembro. Podemos encontrar subsídios legais noutros instrumentos jurídicos tais como a Lei da Família – Lei n.º 22/2019, de 11 de Dezembro.
E então, o que é a SUCESSÃO?
Segundo o artigo n.º 1 da Lei n.º 23/2019 de 23 de Dezembro – Lei das Sucessões, “diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas a ingressar nas relações jurídico-patrimoniais de que era titular uma pessoa falecida e a consequente transferência dos direitos e obrigações desta”. É preciso lembrar entretanto que, a sucessão é deferida por lei ou por acto de vontade praticado pelo seu autor. Fazendo fé à carta do nosso leitor, podemos perceber que os pais da senhora lesada não deixaram nenhum documento indiciário da sua vontade quanto à herança. Ora uma vez que o finado não deixou nenhum testamento indicando a sua vontade quanto ao fim a se dar aos seus bens e não podendo guiar-nos por suposições, então só podemos usar a via legal (lei).
E então quem pode ficar com os bens do falecido se este não deixou nenhum testamento? Se assim acontecer e por via da lei, os bens ficam com os Sucessores. E quem são esses? O n.º 1 do artigo 6 da Lei das Sucessões responde a essa questão: “Os sucessores são herdeiros ou legatários. Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido, e legatário o que sucede em bens ou valores determinados. E então como é ordenado o chamamento dos herdeiros?
A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto na legislação apropriada quanto à adopção e ao instituto da família de acolhimento, é a seguinte:
- a) Descendentes e o cônjuge ou companheiro da união de facto;
- b) Ascendente e o cônjuge ou companheiro da união de facto;
- c) Cônjuge ou companheiro da união de facto;
- d) Irmãos e os seus descendentes;
- e) Outros colaterais até ao oitavo grau;
- f) Estado.
Como pode ter notado da lista, tivemos o cuidado de destacar os primeiros elementos das alíneas a) e d). Assim, a senhora lesada está em primeiro grau das pessoas com direito à herança e o seu tio em quarto lugar.
Significa isso dizer que, em termos legais a casa ou os bens dos falecidos só podem ficar com ela e só passariam para a esfera jurídica do seu tio caso esta e os outros elementos das alíneas b) e c) da lista não existissem. E mais, embora a senhora estivesse a viver numa outra casa fruto do casamento e o tio a cuidar da casa, não podia vendê-la pois, até prova em contrário, não era um dos herdeiros “primários”. Na verdade o tio da senhora, ao agir do modo como o fez, violou um dos princípios básicos da Lei 22/2019 de 11 de Dezembro – Lei da Família que, indica no seu artigo n.º 1 que “a família é o elemento fundamental e a base de toda sociedade, factor de socialização da pessoa humana” e se incumbe a cada membro o particular dever de assegurar a unidade e estabilidade próprias, assegurar que não ocorram situações de discriminação, negligência ou exercício abusivo de autoridade e velar para que sejam respeitados os direitos e os legítimos interesses de todos e de cada um dos seus membros (artigo n.º 5 da Lei da família).
Entendemos que nada, absolutamente nada está perdido, e aconselhamos a senhora que inicie, imediatamente, com o Processo de Habilitação de Herdeiros, junto à conservatória próxima da sua residência.
Por Dr. Armando Ali Amade