Seitas cristãs, um desafio antigo e actual

O VII capitulo dos Lineamenta da IV ANP convida-nos a reflectir sobre o desafio que as seitas lançam à Igreja e a resposta pastoral que é necessário encontrar. Não vamos esquecer que segundo o 4º Censo Nacional da População (2017), a religião Cristã em Moçambique corresponde a 59,8% da população nacional.
O termo seita tem diversas derivações no latim clássico, tendo origem nos termos “secta” que significa escola ou linha de pensamento; “sectare que se traduz por cortar ou partir; “secernere”, o mesmo que separar; “sectari” que significa seguir ou aderir. A partir deste campo semântico é que o termo seita adquire o seu significado.
O profeta é a figura primordial
Em qualquer seita, o profeta é a figura primordial, já que circunscreve uma nova experiência religiosa. O profeta surge da classe de leigos e busca influenciá-los por meio da proposta de uma nova visão mística e comunitária. Diferentemente dos mágicos, o profeta da seita sustenta uma suposta relação significativa com o divino a partir de uma ética religiosa pretensamente exemplar.
Um dos marcos diferenciais que distingue a Igreja da seita é a atitude ecuménica; ou seja, as igrejas buscam o ecumenismo e as seitas anátemas. As seitas afirmam através da sua doutrina relativamente às Igrejas e à sociedade: Extra secta non est salus (fora da seita não há salvação), como se diz por exemplo a respeito da Igreja. Recusam toda a possibilidade de diálogo pois afirmam que os credos de outras igrejas constituem uma verdadeira traição à Sagrada Escritura.
História
Na Igreja nascente proliferaram muitas e variadas seitas cristãs que foram consideradas de heréticas pelos Padres da Igreja. As mais famosas foram:
- a) Os Nicolaítas: surgiu no Séc. I na Ásia Menor e eram seguidores de Nicolau, um prosélito que foi contado entre os sete primeiros diáconos. Os seguidores desta seita levavam uma vida dissoluta, não observando a santidade do casamento. No livro do Apocalipse, João faz duas menções dos Nicolaítas (Ap 2,6) onde confessa que os odeia e (Ap 2,15) em que os acusa de comer as oferendas dos ídolos e de praticar imoralidades.
- b) Os Ebionitas: surgiu no Séc. I na Judeia entre os judeu-fariseus convertidos ao Cristianismo. Reconheciam a Jesus como figura messiânica do judaísmo. Profundamente enraizados na Lei de Moisés, acreditavam que fora dela não havia salvação. Os Ebionitas são identificados como cristãos judaizantes que entraram em conflito com o Apóstolo Paulo mencionados no livro dos Actos dos Apóstolos (15,1; 21,17-26) e que levou à convocação do primeiro Concílio da Igreja em Jerusalém.
- c) Os Nazarenos: são mencionados como uma seita no livro dos Actos dos Apóstolos (24,5). Constituídos por judeus convertidos ao Cristianismo, eram muito semelhantes aos Ebionitas.
- d) Os Gnósticos: pregavam que a salvação vem somente pelo conhecimento secreto. Surgiu no Séc. I na Ásia Menor e acreditavam que existiam dois deuses: um Deus superior e um deus inferior chamado Demiurgo. Acreditavam que Jesus Cristo sofreu apenas em aparência.
Alguns dos ensinamentos do Alcorão e dos Hadiths baseiam-se nestas seitas da igreja primitiva. Também muitas seitas actuais têm inspiração nelas. Ora vejamos:
Até hoje existem seitas que recusam o papel da Igreja. Aceitam Cristo e negam a Igreja. Estes movimentos inspiram-se simultaneamente nas culturas hebraica e cristã (Ebionitas e Nazarenos), e são dissidentes das Igrejas cristãs. Caracterizam-se pelo recurso fundamentalista, literal, e pela interpretação de modo parcial da Bíblia de uma forma entusiasta, mas intolerante para com os outros grupos. Vêem o mundo negativamente por ser mau, daí a necessidade de se afastar dele. São movimentos que se centram unicamente e exclusivamente na expectativa à volta de Cristo e não da Igreja.
A teologia milenarista das novas seitas
A teologia milenarista, isto é, sobre o fim dos tempos, acompanha-os constantemente, como também o suposto primado dado à inspiração individual. Encontramos alguns grupos como as Testemunhas de Jeová e os Mórmons que alegam que os seus fundadores receberam de Deus revelações que aperfeiçoam a doutrina cristã.
Há seitas que recusam o papel de Cristo: dizem “Deus sim, Cristo não.” São grupos de inspiração Gnóstica, com influências do hinduísmo, budismo e sufismo islâmico. Dão muita primazia a uma experiência interior do divino, rodeados de mestres que possuem os segredos de um conhecimento libertador. Falam de Cristo como um grande profeta ou um mestre entre muitos outros. Geralmente não acreditam num Deus transcendente e pessoal. São exemplos a Igreja da Unificação, a Sociedade Teosófica, e a Antroposofia.
Seitas que recusam o papel de Deus: dizem “Religião sim, Deus não.” Embora contraditório aos olhos da maioria, existem hoje seitas que negam Deus ou relegam-No para segundo plano, tal como fazia a maioria dos Gnósticos. A Nova Era e a Igreja Cientologia são dos exemplos deste tipo de seitas. As suas propostas assentam em sessões de esclarecimento para ajudar as pessoas a se tornarem mais responsáveis com o domínio de si, com a finalidade de dominarem o espaço, o tempo e a matéria, até ao contacto com o Ser Supremo.
Na Nova Era Deus não se revela na sua liberdade, mas está no cosmos, no fundo de nós mesmos. Afasta-se uma imagem monoteísta de um Deus pessoal, Criador, distinto das criaturas, Ser consciente e livre, que ao longo da história acompanha os humanos, quer escolhendo o Povo de Israel, quer enviando seu Filho Jesus. A figura de Cristo sofre uma espiritualização radical. No lugar do Evangelho do Reino está o evangelho do Aquário. A salvação faz-se pela via da espiritualidade – auto-salvação.
Seitas que recusam o papel da religião: dizem “Sagrado sim, Religião não.” Estes movimentos dão muita importância à magia pelo que rigorosamente não se deveriam chamar religiosos. Contudo há uma ligação com o sagrado, que pode ser dúbia acerca da sua verdadeira identidade. A diferença está em que o homem religioso predispõe-se a acolher o sagrado, em atitude de gratuidade; e o homem mágico usa a magia como meio de manipular o sagrado a fim de adquirir poderes.
São seitas manipuladoras que procuram caminhos fáceis para a felicidade. As Bem-aventuranças são invertidas. Pretende-se resolver os problemas de cada dia sem a relação com Deus e o sentido da cruz. Exalta-se o Anticristo. Algumas celebram liturgias cruéis de sacrifícios humanos.
Novos agrupamentos de seitas
Existem outros tipos de seitas que podem ou não encaixar nas categorias acima mencionadas. Entre elas sobressaem:
Pentecostais: são aquelas que se inspiram no carisma do Espírito Santo e insistem no Baptismo do Espírito, nos carismas e na emotividade. Fazem parte deste grupo as Assembleias de Deus.
Taumatúrgicas: são aquelas que acentuam visões reformistas e utópicas do mundo. Fazem parte deste grupo os Espiritistas, Meninos de Deus, Pentecostais, Nova Era, etc.
Satânicas: caracterizam-se pelo culto ao demónio nas suas diversas formas: Lúcifer, Satanás ou Belzebu. Inoculam nos seus membros o fatalismo e o fanatismo. Os adeptos devem realizar tudo conforme a sua prescrição e em seu benefício. São exemplo: os Amigos de Lúcifer, Barão Vermelho, Corrente 93, Filhos de Lúcifer, Irmandade de Satã, Filhas de Isis.
Implicações das seitas na vida cristã e na sociedade
A proliferação e actuação das seitas não são propriamente uma ameaça à Igreja, mas um desafio pastoral e social. Perante este fenómeno a recomendação de Paulo na carta aos Tessalonicenses (1 Tes 5,19-22) é sempre aconselhável.
Muitos cristãos deixam-se alienar perante as propostas fantásticas das seitas. E elas provocam vários estragos nos tecidos eclesiais, sociais e familiares. Urge a necessidade de se intensificar nas comunidades paroquiais a dinâmica dos pequenos grupos, onde se atenue o anonimato. É necessário que as nossas comunidades sejam autenticamente casa de oração para todos; casa de esperança para os cristãos; casa de acolhimento para todos. A pastoral familiar deve ser vista como um princípio de resposta perante o desafio imposto.
Teologicamente, os problemas que as seitas criam afectam os dogmas fundamentais da fé cristã. Algumas reduzem a Trindade a um monismo substancial, a um panteísmo cósmico, a uma energia primordial. A pessoa de Jesus perde toda a sua dimensão histórica, de encarnação. Em algumas seitas Jesus é reduzido a uma forma quase de aparência humana, ou de mero mestre de ensinamentos esotéricos, esvaziando o sentido mais importante da sua vida: anunciar o Reino de Deus.
Os católicos devem conhecer a Palavra de Deus
Os cristãos católicos devem conhecer a Palavra de Deus, pois ela é o centro da vida da Igreja, tudo dela dimana e tudo para ela se orienta. O Papa Bento XVI recomenda que se desenvolva uma pastoral bíblica inteira, a fim dos grupos e movimentos da comunidade cristã procurarem fazer um encontro pessoal com Cristo, “que se comunica a nós na sua Palavra. Dado que a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo.”
Muitas pessoas juntam-se às seitas, à procura de solução de problemas, principalmente as doenças e a pobreza. Alegam que a Igreja e a Medicina não lhes dão as respostas que almejam. Estão dispostas a obter milagres com dinheiro, se for necessário. E aí surgem as explorações. A pessoa fica dependente da seita que cria um conjunto de etapas a serem cumpridas até à suposta cura. E nesse processo os dízimos e as generosas ofertas ao pastor são indispensáveis.
Perante isto, a Igreja deve procurar não ser apenas um sinal de esperança para as pessoas, mas deve mais do que isso: dar razões da esperança e ajudá-las a encontrar respostas para a inquietação e desejo. Os católicos devem proporcionar ao mundo comunidades vivas e fraternas, ao ponto de cada um se sentir único e especial diante de Deus e na relação com os irmãos. Os cristãos católicos devem oferecer experiências de fé de forma inteligente e persuasiva ao ponto de dizer como o Papa Paulo VI aconselhava: “aqui tens a tua casa. Temos aquilo que buscais, aquilo que vos faz falta.”
Por Dr Tobias Miguel