“EU NÃO TENHO MEMÓRIA DE ELEFANTE”
Uma sociedade de pessoas maduras, bem-educadas e responsáveis é aquela em que cada um assume a responsabilidade pelos seus actos. Não existe maturidade sem responsabilidade. A capacidade de dizer que “eu fiz isso. Eu sou culpado!” Perde-se ao mesmo tempo que desaparece a moral que orientava nossas existências como africanos. Hoje, diante do tribunal, as pessoas são capazes de invocar a embriaguez e os maus espíritos para fugir da responsabilidade da agressão aos seus filhos e sua esposa.
Por falar em tribunal, assistimos nestes dias o julgamento do caso das dívidas ocultas. E, como não podia deixar de ser, como pessoas pertencentes a nova geração de jovens moçambicanos sem hábito de assumir a responsabilidade pelos seus actos, certos arguidos preferem dizer simplesmente que não se lembram dos factos que os envolvem ao caso. E quem pensa que quem adopta esta estratégia são apenas eles está enganado! Há jovens dizendo aos seus pais que se esqueceram que deviam fazer uma certa actividade para fugir da responsabilização; há inclusive alunos em tenra idade que são capazes de dizer aos seus professores que se esqueceram do caderno para não ter o castigo de não terem feito o trabalho de casa. Quer dizer que agora também, a negação absoluta de factos tornou-se uma forma de escapar da responsabilidade.
Mas como chegamos até aqui? A nova geração, constituída maioritariamente por cidadãos irresponsáveis, pode ser resultado de factores combinados que, pelo hábito, não estamos interessados em assumir. A nossa educação tradicional está em agonia porque achamos que os valores mais aceitáveis e altos são os acidentais. A nossa educação formal desligou-se da realidade porque segue princípios estranhos a realidade. Os melhores valores já não são os nossos, mas são aqueles que proclamam mais os direitos e menos os deveres. Com efeito, nas famílias, as crianças não são mais ensinadas a lutar pelo seu bem. São acostumadas a receber de graça sem conquistar pelo seu esforço. Exigir algo de uma criança já se tornou violência doméstica porque o novo conceito de amor implica dar tudo às crianças.
Esta pode ser a situação que criou as condições da amnésia dos ndambis e langas. Se continuarmos a criar uma sociedade de gente com amnésia e irresponsável, em breve teremos uma lei inaplicável, uma sociedade sem orientação e, pior ainda uma geração de cobardes que nunca estará disposta a assumir um papel fundamental no serviço à pátria. Formar pessoas adultas significa instruir nossos filhos para que não se tornem folgados. As nossas escolas, as famílias e as nossas instituições tradicionais precisam de reformular seus critérios para não construir uma sociedade de pessoas que esquecem tudo por conveniência, para fugir da responsabilidade pelos seus actos.
Sempre disse que a falta de hospitais e escolas no nosso país não tinha nada a ver com falta de dinheiro nos cofres do Estado. A má qualidade das estradas e de serviços públicos que se insiste aliar à exiguidade de recursos não passa de mentira. Os nossos hospitais não têm profissionais suficientes, as nossas escolas não têm professores com qualidade e quantidade desejáveis não porque falte dinheiro para contrata-los, mas simplesmente porque a nossa gestão Estatal é feita de forma egoísta. Nosso país não é pobre. Criam essa percepção em nós para não reclamarmos, não exigirmos demais.
Há anos que assistimos pequenas pontes serem construídas, carros do Estado serem reparados, pequenos blocos de salas de aulas a serem erguidos com a declaração de terem custado altas somas de dinheiro quando na verdade custaram pouco. Os gestores aumentam os valores do custo, sobre-facturam para se beneficiarem dos trocos. É assim que nossos dirigentes enriquecem. Para eles não importa a qualidade de serviços e de infra-estruturas oferecidas ao povo. O que importa para eles é o ganho que terão nessas obras. O mesmo acontece com o aumento de salários. Há anos que o aumento do salário não passa de míseros 500 meticais. A justificação para não aumentar mais, apesar do peso do custo de vida sobre os trabalhadores é que o Estado não tem dinheiro.
Mas ouvimos que o governo anunciou novos ajustes salariais. Estes ajustes variaram entre 5 a 10%, tendo havido, deforma triste e vergonhosa, um aumento de 100 meticais para o sector do turismo e hotelaria. Curiosamente, ficamos sabendo que o governo aumentou salários e subsídios dos altos funcionários do Estado em mais de 100%. O maior aumento foi do empregado do povo, o Presidente da República, que chegou aos cerca de 390%. Ora, se por um lado o Estado está em crise, graças a COVID-19 e não tem capacidade de aumentar o salário de funcionários subalternos do Estado, eis que de repente, tem dinheiro suficiente não apenas para aumentar salários, mas também os subsídios de altos funcionários e agentes do Estado como o Presidente, deputados, ministros, procuradores, juízes, governadores e secretários de Estado.
Não há dúvidas de que um governo assim nunca esteve e nunca estará empenhado no bem-estar do povo. Um governo assim trabalha para o benefício próprio e de seus amigos. Enquanto ainda ruminamos a desgraça causada por uma dívida feita para engordar os bolsos de alguns cidadãos, eis que sem medo, tranquilos, de consciência limpa, os mesmos aumentam seus próprios salários de forma criminosa e insensível. A ser verdade, a reinvenção do nosso Estado e de nossos valores é urgente. Mais urgente que isto é a aquisição da nossa consciência de cidadania para podermos não apenas reclamar das condições péssimas do país nos chapas e debaixo das mangueiras ao sabor da cabanga e da cerveja, mas também e sobretudo, agir como cidadãos, reclamar, impor nossas vontades como povo. Somos explorados pelos nossos próprios irmãos que ganharam o poder porque continuamos adormecidos, conformados na nossa pobreza que nos é imposta por líderes gulosos e egoístas.
Por Deolindo Paúa, in “A nossa Geração”