A imposição da justiça social exige opções difíceis
No que diz respeito à acção de cidadania, a nossa sociedade moçambicana nota-se cansada e abatida. Os cidadãos que guardam a esperança de um futuro melhor prometido há 47 anos, mas que nunca chega, parecem cansados de lutar pela justiça social, pior quando a cada dia os seus ouvidos são escandalizados por relatos de crimes daqueles a quem cabe o dever de proteger os outros. É que por vezes, a força da injustiça é superior à força de vontade para contradizê-la. Aliás, quando, quem assume o poder é o primeiro a lesar aqueles a quem devia servir, parece mais fácil, para quem devia ser servido, render-se. A tentação de maior parte dos jovens moçambicanos, hoje, que assistem ao assalto impiedoso à sua esperança de emprego, de habitação, de educação, de saúde, etc., é, infelizmente, resignar-se.
Auto serviço e corrupção do país
Há alguns anos que o nosso país ganha uma nova forma de ser governado assente no auto-serviço e na corrupção. Hoje, enquanto por um lado as condições de sobrevivência e de enriquecimento beneficiam a quem tem poder político, por outro, a corrupção se instala e se solidifica nas instituições do Estado. Não é novidade, infelizmente, que o acesso ao emprego é selectivo; não é também novidade que os altos funcionários do Estado ganham os extraordinários e mais altos salários e bonificações da função pública. Não é igualmente novidade que o poder é usado para influenciar e corromper, manipulando o sistema a favor de determinadas pessoas com interesses em manter os seus benefícios. O que devia ser de todos e para todos serve apenas à família de alguns.
Os desafios que caracterizam as circunstâncias que atravessamos parece indicarem que a honestidade perdeu a batalha e ganhou espaço e vitória a desonestidade, a delinquência. Pior é que essa delinquência é encabeçada pelas autoridades que deviam combatê-la. Hoje, contra toda a esperança de um dia construirmos um país de justiça social onde todos sintam orgulho de viver, a nova forma de viver baseada em quem tem mais força, ganhou espaço. Em consequência, como imitação dos demais a quem governa na base de sabotagem ao Estado, os mais pequenos funcionários do Estado seguem o exemplo. Os militares deixaram de proteger o país e começaram a assaltá-lo. Esta é a realidade que nos agride os ouvidos a partir de Cabo Delgado; a polícia deixou de proteger as pessoas e passa a roubá-las. É o que agora sabemos sobre o envolvimento da polícia nos sequestros e nos assaltos por todo o país; os enfermeiros deixaram de tratar os doentes e prevenir a morte de seus concidadãos e agora a provocam com sua negligência. É a reclamação dos pacientes nos maiores hospitais do país onde a corrupção e a negligência sobrepõem-se ao direito à saúde que o indivíduo tem; os políticos deixaram de servir o país e se servem do país roubando e endividando-o para viabilizar seus interesses, os de seus amigos e de seus filhos. Este é o escândalo que nos é dado a partir do julgamento das dívidas ocultas. Qual pode ser a nossa esperança neste cenário como cidadãos? Mais do que uma esperança passiva, o que devemos fazer para mudar?
Os poderosos controlam a vontade dos fracos
Na situação em que nos encontramos é fácil ver que os espertos abocanham as riquezas. Com as riquezas que possuem e com o poder político que assumem também controlam as vontades dos mais fracos. Controlam os mais compráveis para os ajudar a viciar os votos, cujos resultados os mantêm no poder; controlam a polícia que protege os seus bens ilícitos, controlam os militares contra quem se atrever a reclamar; controlam jovens cobardes que vivem só para si mesmos, etc. Parece tudo perdido, mas na realidade a nossa única esperança para libertar o nosso país dessa postura delinquente e criminosa é agir como cidadãos normais. Quando digo cidadãos normais refiro-me àqueles que não se contentam com a sua casa bonita e o seu pouco dinheiro e pensam que podem ficar alheios às questões políticas; refiro-me àqueles que, movidos pelo patriotismo e pelo amor a sua liberdade, fazem valer o ideal de um país de justiça social.
Infelizmente, neste nosso cenário em que o nosso país é praticamente controlado pela vontade dos políticos que são ao mesmo tempo os mais ricos, produzem-se três tipos de cidadãos: os primeiros são os que acham que o que a política faz não lhes interessa. Têm emprego fora das instituições do Estado e pensam que não se podem meter na política porque não é esta que os alimenta; os segundos são aqueles que, para sobreviverem, devem viver à sombra dos políticos e dos mais ricos. A sua fonte de sobrevivência é normalmente a bajulação. Por isso, para estes, patriotismo é concordar e defender quem exerce o poder, não importa que esteja certo ou errado; os terceiros, que considero os piores, são os desistentes. Lutaram pelo bem-estar e pela justiça social, por vários anos, esperaram que as coisas melhorassem, mas como a injustiça e a delinquência estão enraizadas nas instituições do Estado e sua remoção não é fácil, renderam-se. Juntaram-se aos primeiros ou aos segundos.
Não desistir na luta contra a injustiça
A pior postura de um cidadão é desistir de lutar contra a injustiça do seu país. Entristece-me ver a desistência de muitos jovens académicos cuja crítica era esperança na luta para um Moçambique justo. A cada ano vejo jovens académicos pararem de mostrar o seu descontentamento com o modelo de governação e embarcarem para a bajulação como modo fácil de sobrevivência. O nosso futuro é que fica comprometido porque nenhum país de cobardes consegue implantar a justiça. Se cada um se interessar pelo trabalho que lhe garante sobrevivência singular, estaremos a vender o país. Num país empobrecido como o nosso, a indiferença dos cidadãos é criminosa na mesma proporção que a bajulação.
Do mesmo modo que no passado, jovens que partiram de suas famílias para a guerra sem saber se iriam voltar, embarcaram para a luta de libertação nacional com a única certeza de que queriam a liberdade para o seu povo, hoje, contra toda a oligarquia constituída sobre a pobreza de muitos, como cidadãos, precisamos nós também de embarcar para o combate democrático, mesmo diante do perigo, guiados pela certeza de que há sede de justiça no nosso país. É inaceitável vendermos as nossas consciências depois de termos lutado pouco. A luta pela justiça nunca acaba. É constante. Contra uma pobreza que é injustamente imposta a muitos pelas ambições de poucos, contra uma corrupção institucional crescente e ameaçadora ao futuro de nossos filhos, contra uma educação que transmite ignorância aos nossos filhos, contra um sistema de saúde que ao invés de ajudar, prejudica a nossa sobrevivência, precisamos de nos tornar cidadãos activos.
Estamos num país democrático e isto significa que cada um de nós tem uma opinião sobre a maneira como o nosso país deve ser dirigido, sobre a forma como os fundos devem ser geridos, sobre o modo como devem ser tratados os nossos políticos. Toda a governação elitista e injusta instalada e mantida no nosso país pode não ser apenas culpa dos políticos, mas também de todos nós que nos resignamos e mudamos de trincheira na luta por um país de justiça e equidade. Não estamos autorizados a lamentar pacificamente diante de filhos de dirigentes que vivem uma vida de reis sem explicar a proveniência de sua riqueza; não estamos autorizados a reclamar quando ministros e governadores tornam-se, de repente, empresários de sucesso sem terem explicado a fonte de seu sucesso; não nos é permitido murmurar contra qualquer presidente que, tendo seu poder dependente de nós, continua multiplicando discursos contra a corrupção enquanto protege os verdadeiros corruptos. Como cidadãos, a nossa função já não é lamentar, mas é agir.
Deolindo Paúa