A reconciliação é um compromisso comum
A encarnação de Jesus Cristo, o Filho de Deus, aconteceu depois de João Baptista ter percorrido as terras da Galileia anunciando aos Judeus a necessidade do arrependimento e da conversão. Toda a humanidade foi reconciliada com Deus pela morte de Cristo na Cruz. Pois, “Deus que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, estando nós mortos pelos nossos pecados, deu-nos a vida juntamente com Cristo” (Ef. 2,4-5). Ele – Jesus Cristo – é a nossa paz. “Ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava, anulando pela sua carne, a Lei, os preceitos e as prescrições, veio para anunciar a paz a vós que estáveis longe, e a paz também àqueles que estavam perto” (Ef. 2,14-17). Razão pela qual, com a Exortação Pastoral “Conversão e Reconciliação” elaborada pelos Bispos Católicos de Moçambique em 28 de Setembro de 1983, vamos falar do tema da Reconciliação.
Reconciliados com Deus
“Se, de facto, sendo nós inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte de Seu Filho, com muito mais razão, depois de reconciliados, seremos salvos pela Sua vida. E não é só isto; também nos gloriamos em Deus por Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo Qual obtivemos agora a reconciliação” (Rom. 5, 10-11).
A partir desta palavra de Paulo, há todo um caminho a percorrer e todo um trabalho a fazer, não apenas quando celebramos a Fé na comunidade, mas em qualquer momento da nossa vida. Com efeito “a nossa vida, lembra o Papa Paulo VI, está perturbada por muitas rupturas, por demasiadas desarmonias, por demasiadas desordens. Temos necessidade, em primeiro lugar, de estabelecer relações autênticas, vitais e felizes com Deus, de ser reconciliados na humildade e no amor com Ele, a fim de que, desta primeira e fundamental harmonia, todo o mundo da nossa experiência exprima uma exigência e adquira uma virtude de reconciliação, na caridade e na justiça com os homens a quem, imediatamente, reconhecemos o título inovador de irmãos” (Paulo VI – Aloc. de 9 de Maio de 1973).
Reconciliação fraterna
Assim, a reconciliação deve ser para todos nós um empenho constante e decisivo. Em primeiro lugar a reconciliação com Deus, ou a conversão de que já falamos mais acima. Mas a reconciliação com Deus não é possível, sem a reconciliação com os outros. O maior sinal do amor a Deus é o amor sincero aos outros. (Jo. 13,35). Por outro lado, “se alguém disser: “Eu amo a Deus”, mas odiar a seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama o seu irmão, ao qual vê, como pode amar a deus, que não vê?” (1 Jo. 4,20).
A reconciliação fraterna é o sinal mais vivo da reconciliação com Deus. Jesus lembra-nos este dever de reconciliação, quando nos diz que antes da oferta sobre o altar está a reconciliação com o irmão. “Se fores apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois volta para apresentar a tua oferta” (Mt. 5,23-24). Diz-nos também, na oração que nos ensinou, que o perdão de Deus está condicionado pelo perdão ao nosso irmão, “perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o Vosso Pai Celeste vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas” (Mt. 6,12-16). “Com o teu adversário mostra-te conciliador” (Mt. 5, 25).
O homem da parábola dos dois devedores não foi perdoado porque se recusou a perdoar ao seu irmão. “E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos até que pagasse tudo o que devia. Assim procederá convosco Meu Pai celestial, se cada um de vós não perdoar do fundo do seu coração a seu irmão. (Mt. 18,34-35).
O Apóstolo Paulo, escrevendo às comunidades de Corinto, diz-lhes que é dever delas não só assumir a reconciliação de todos os dias, mas também anunciá-la e praticá-la. “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. Passou o que era velho. Eis que tudo se fez novo. Mas tudo isto vem de Deus que nos reconciliou consigo, por meio de Cristo, e nos confiou o ministério da reconciliação” (2 Cor. 5, 17-18). Deu-nos este ministério e mandou praticá-lo. “Reconciliai-vos com Deus” (2 Cor. 5,20). “Revesti-vos de entranhas de misericórdia suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se algum tiver razão de queixa contra o outro” (Col. 3, 12-15).
Devemos, então, viver no dia-a-dia a reconciliação e devemos testemunhá-la onde quer que estejamos e onde quer que haja ameaças ao amor fraterno e à paz.
Reconciliação na comunidade eclesial
A reconciliação leva-se a cabo na própria comunidade eclesial, na sociedade, na política, no ecumenismo, na paz” (Paulo VI – Aloc. De 9 de Maio de 1973). Primeiro, na comunidade eclesial. As comunidades cristãs devem saber que a igreja é um mistério de comunhão e que, na evangelização e na pastoral, construir, aqui e hoje, “uma Igreja – comunhão” é uma opção de todos nós. Ninguém, contudo, ignora as tentações que podem surgir contra a comunhão que nos propomos viver e aprofundar. Essas tentações ou ameaças podem nascer de muitos lados. Podem vir do egoísmo do coração de cada um, do egoísmo dos grupos, das etnias, das culturas e dos lugares onde nascemos ou vivemos.
Podem vir dos serviços que prestamos nas comunidades se, em vez de servirmos, procuramos dominar. Podem vir da diversidade das mentalidades, ou das linhas e métodos pastorais porventura isolados ou mais individualistas. Podem vir das relações deficientes entre os diversos agentes de pastoral ou dos projectos de trabalho, de algum modo egoístas e desligados da comunhão de todos e com todos. A reconciliação, que o nosso Deus de misericórdia e de paz (Ef. 2,4 ; Fil 4,9) nos manda, passa efectivamente pelo combate contra estas e outras tentações; passa, ao mesmo tempo, pela edificação da amizade e da comunhão, cujo vínculo profundo é o Espírito de Jesus (Ef. 4,3).
Reconciliação na comunidade civil
Mas os cristãos não podem viver e testemunhar a reconciliação unicamente no seio das comunidades. Como cidadãos dum País e membros duma sociedade, terão de viver e de anunciar essa reconciliação no seio da sociedade e do País a que pertencem. Ora, é de todos sabido que a nossa sociedade e o nosso País estão perturbados “por muitas rupturas, por demasiadas desarmonias e demasiadas desordens”. (Paulo VI – Aloc. De 9 de Maio de 1973).
Todos sabemos que a guerra não é evangélica e que não parece o caminho mais indicado para se conseguir uma paz digna. Além disso, damo-nos conta, com uma evidência cada vez maior, de que a guerra gera a guerra e de que esta guerra é fonte de muitos e graves males: mortes de inocentes, destruição de bens, paralisação do progresso do País, agravamento da fome, prática de represálias e de crueldades, alastramento do ódio e do espírito de vingança.
Como já dissemos na exortação pastoral “Apelo à Paz”, reprovamos, venham donde vierem, todos os assassinatos e execuções sumárias, todas as retaliações contra populações indefesas, toda a destruição de casas e de bens de pessoas e de famílias inocentes. Reprovamos a guerra como processo que não respeita os valores morais da pessoa humana – como são a vida e a dignidade – antes favorece as forças que degradam o Povo e o País. Sabemos que a paz digna e justa é uma aspiração profunda em cada um e em todo o Povo. Sabemos como, por detrás dum rosto fechado e duro, há no coração de cada homem uma vontade de viver, não a guerra, mas a justiça, a paz e a convivência fraterna (Conf. Oct. Adv. 48).