A frágil Unidade Nacional trava o desenvolvimento de Moçambique

A frágil Unidade Nacional trava o desenvolvimento de Moçambique

Por Tomas Selemane

Até aqui vimos que a intolerância política e a ausência de reconciliação nacional são os grandes entraves ao desenvolvimento de Moçambique. Mas não podemos esquecer que a fragilidade da unidade nacional também é outro grande entrave ao desenvolvimento.

A unidade nacional foi a condição necessária e indispensável para os três movimentos que antes de 1962 lutavam pela independência nacional – UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique), MANO (Mozambique NationalAfricanUnion – União Nacional Africana de Moçambique) e UNAMI (União Nacional Africana de Moçambique Independente) – se juntarem num único movimento: a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) a 25 de Junho de 1962. Por outras palavras, sem o consenso da necessidade de unidade nacional não teria surgido a junção de esforços que vinham sendo feitos por diferentes grupos para que, de uma forma coordenada, surgisse uma força única de luta pela independência de Moçambique.

Percurso desafiante

Não ignoro as guerras internas havidas na Frelimo pré e pós-independência nacional em que algumas figuras importantes foram mortas pelo simples facto de terem tido opiniões diferentes daquelas que a direcção da Frelimo achava serem mais acertadas. Também não ignoro a conotação étnico-tribal e regionalista que esses assassinatos tiveram.

O que pretendo destacar é o facto de que foi graças à unidade nacional que se conseguiu o primeiro e mais importante ganho político do nosso país: a independência nacional. Depois de 25 de Junho de 1975, a Frelimo já como Governo teve um entendimento difuso de como construir a unidade nacional. Por um lado, colocou Governadores Provinciais naturais de cada uma das dez províncias do país. Por outro lado, procurou-se unir a população moçambicana de diferentes origens étnicas e tribais, colocando os trabalhadores das instituições públicas e privadas, cada um fora da sua terra de origem. O resultado foi a actual situação que temos em que encontramos pessoas originárias de uma província que vivem noutra há mais de trinta anos. Foi também por essa via que passamos a ter famílias moçambicanas com mestiçagem étnica: esposa duma tribo e marido doutra tribo, e vice-versa.

Não temos conflitos étnicos, porém…

Em suma, o povo moçambicano encarnou dentro de si a unidade nacional. Isto não significa que tentativas de divisionismo étnico-tribal e histórias de diabolização de umas tribos por outras tenham desaparecido do contexto moçambicano. Nunca desapareceram da mesma forma que ainda hoje em 2021 existem. O facto relevante é que não há território moçambicano (província, distrito, vila ou localidade) que seja habitado apenas por gente originária de lá. A estratégia da unidade nacional por via da mistura étnico-tribal funcionou relativamente bem no nosso país. É por essa razão que Moçambique é hoje um dos países do mundo com uma grande diversidade étnica mas sem conflitos étnicos visíveis.

Entretanto, ao longo do percurso de Moçambique, a Frelimo foi sendo titubeante e inconsistente na construção da unidade nacional por via da nomeação de dirigentes: num mandato nomeando os naturais para cada uma das províncias, noutro mandato procedendo ao contrário. Em resultado, enquanto por um lado, a unidade nacional de nível sociocultural tem funcionado relativamente bem, a unidade nacional de cariz político, de construção da nação, de perspectivar o futuro conjunto, de edificação da “Casa Comum” nos dizeres do Papa Francisco na sua Encíclica Laudato Si, apresenta fragilidades que devem ser resolvidas.

As fragilidades de hoje

A mais importante consequência dessa fragilidade tem sido a impossibilidade de termos, como nação e povo, alguns consensos mínimos que sirvam de factor mobilizador para as causas do desenvolvimento. É por essa razão que depois de 1975, o país nunca mais conseguiu mobilizar-se para uma causa comum. Por vários motivos e sob vários sinais. Por limitação de espaço, vou cingir-me a apenas três desses sinais.

Primeiro, a guerra de 16 anos surgida apenas dois anos após a proclamação da independência nacional, em 1977, foi um sinal claro da fragilidade da unidade nacional que outrora tinha juntado aquelas diferentes sensibilidades de que falei no começo deste texto.

Segundo, ao longo da história deste nosso país, temos assistido à formação de “associações de naturais e amigos de X, Y ou Z” o que me parece bem enquanto essa associação procure preservar a sua identidade cultural, usos e costumes, culinária ou outras práticas. A constituição dessas associações começa a ser problemática quando os seus mentores e membros começam a ver nessas associações um palco e um instrumento de reivindicação política, ou mesmo de reivindicação de representatividade no Governo, nos municípios, nas empresas e até nas nossas paróquias. Conheço paróquias onde é obrigatório que o repertório de cada missa tenha igual número de cânticos de cada língua ali falada! O problema é que ao invés de essa diversidade traduzir-se numa harmonia e riqueza cultural, ela acaba descambando numa luta de auto-afirmação desnecessária.

Terceiro, na vida social, política e económica do nosso país, a distribuição de cargos no Governo, nos partidos políticos e nas empresas públicas tem sido feito com o falso cuidado de “não deixar nenhuma etnia de fora.” Digo falso cuidado, porque na realidade é impossível que todas as tribos deste vasto Moçambique caibam num Governo, num Conselho de Administração duma empresa ou noutro organismo dirigente. Ademais, não temos nenhuma evidência de que a nomeação de uma pessoa do norte, do centro ou do sul do país beneficia a essa sua região de origem em termos económicos, políticos, culturais ou sociais.

Precisamos de agendas nacionais

Neste contexto, o nosso país precisa de agendas nacionais, causas comuns de unificação do país tal como foi na altura da independência nacional. Essas agendas e causas comuns têm de superar as fronteiras partidárias, étnico-tribais e regionais. Precisamos da construção de uma moçambicanidade baseada na unidade nacional, na nossa diversidade. Sem isso, conflitos como o de Cabo Delgado, ou o de Manica e Sofala vão alimentando ideias de divisionismo, de que nos poderemos arrepender, mais tarde ou mais cedo.

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