Linguagem radical do Apocalipse
Nas visões do Apocalipse, não há meio-termo. Só contraste! De um lado, o mal; do outro, o bem. De um lado, o Dragão e a besta-fera (Ap 13,1-18); do outro, o Cordeiro e o seu exército (Ap 14,1-5); de um lado, Roma, a grande prostituta (Ap 17,1-18); do outro, Jerusalém, a noiva do Cordeiro (Ap 21,1-22,5). João sabe muito bem que, na vida real, as coisas não são assim. Sabe que o bem e o mal andam misturados até na vida das comunidades. Sabe que, no império romano, há muita coisa boa, muita gente boa. Porque, então, nas visões ele fala como se, de um lado, só tivesse coisa boa e, do outro, só coisa ruim? Parece extremista e radical. Mas na realidade não é assim; temos que ter em conta o problema político e a maneira de analisar a sociedade, usada por João.
O problema político
A situação política estava muito confusa. 40 Anos antes o apóstolo Paulo tinha escrito aos cristãos de Roma para obedecer às “autoridades constituídas”(Rm 13,1), mas agora a situação tinha mudado. Essas mesmas “autoridades constituídas” estavam perseguindo os cristãos. Portanto no Apocalipse, João toma posição e dá a sua opinião. Para ele, o culpado não são alguns maus funcionários do império, mas sim o império em si: a sua organização económica e a sua pretensão de ser o senhor do mundo (Ap 13,1-18; 18,2-20). Por isso, ele condena radicalmente qualquer tentativa de aliança com o império.
A maneira de analisar a realidade
O Apocalipse aprecia e avalia as coisas a partir do futuro, isto é, a partir da contribuição que elas estão dando para o triunfo final do bem e da justiça. A vitória já está certa, garantida pelo poder de Deus (Ap 11,17-18; 21,6-8.27; 22,3-5). Aquilo que contribui para a vitória é bom, vem de Deus. Aquilo que impede a vitória não presta, vem do mal, do diabo. Ora, o império romano, do jeito que estava organizado, não estava contribuindo para a vitória do bem e da justiça. O que João condena não é o bem que existe no império, mas sim o rumo errado, a direcção destorcida do mesmo. Tudo está sendo usado e organizado para perseguir os cristãos indefesos que querem defender a vida.
João quer alertar os cristãos. Eles não podem ser ingénuos e alimentar um regime, cuja organização é contra o Evangelho, contra a vida (Ap 18,4). Resistindo a todo custo e não se deixando desviar nem manipular, elas serão o exército do Cordeiro que enfrenta o dragão do Império (Ap 14,1-5) e o vencerá (Ap 17,14).
Actualidade da Palavra de Deus
É por tudo isto que João fala em termos radicais. É uma forma de fazer análise da realidade para ajudar os cristãos a enxergar com clareza a política do império romano e a se definir diante da situação.
Hoje em dia, diante da propaganda do sistema neoliberal faz falta um apocalipse que nos ajude a fazer uma leitura um pouco mais crítica da realidade, questionando os rumos do actual império.
Enfim o livro do Apocalipse é um livro muito actual que nos ajuda, se bem interpretado, a fazer uma leitura evangélica da nossa realidade histórica e social. (2ª parte)