Os constrangimentos da governação em Moçambique

Os constrangimentos da governação em Moçambique

7. O drama da fome e da desnutrição crónica

Por Dr. Thomas Selemane

É bom lembrar que, conforme tenho explicado, por constrangimentos da governação entendo serem os aspectos – frutos das opções governativas, portanto resultados da acção humana e não fenómenos naturais – que impedem ou dificultam o nosso desenvolvimento enquanto nação moçambicana.

No ano passado, 2022, vários órgãos de comunicação social noticiaram o facto de haver no nosso país mais de um milhão e meio de pessoas em situação de insegurança alimentar. Diziam as notícias que as razões para o tal drama estavam resumidas nos ataques terroristas em Cabo Delgado e nos desastres naturais – nomeadamente os ciclones Kenneth e IDAI. E acrescentou a imprensa que apesar de Moçambique ter registado na última década uma redução nos níveis de insegurança alimentar de 43% para 38%, desafios persistem, pois, há muitas mulheres grávidas e crianças que passam fome.

Ora, o que a imprensa não disse é o seguinte:

1) Moçambique é um país com 35 milhões de terra arável (utilizável para agricultura e pecuária), mas apenas 14% dessa terra é utilizada. O resto não é utilizado não devido a um desastre natural nem ao terrorismo, mas devido a decisões ou opções políticas tomadas por quem governa o país.

2) Com tanta terra arável, muita mão-de-obra disponível e tendo a agricultura definida na Constituição da República como sendo a base de desenvolvimento do país, ainda assim, o país tem cerca de metade das crianças (48%) em situação de desnutrição crónica. Porquê? Por uma série de razões que se podem resumir nos seguintes factores:

  1. a) o sector da agricultura, particularmente o sector familiar e de produção alimentar, apesar de concentrarem 70% da força de trabalho a nível nacional, recebem pouca atenção política e orçamental.
  2. b) a maior quantidade de investimento directo estrangeiro e de inovação acontecem nos sectores de mineração, petróleo e gás, deixando para trás a produção alimentar.
  3. c) grande parte da indústria agrícola foi desmantelada no processo de transformação do país de socialista para capitalista nos anos 1980 e 1990.
  4. d) os nossos governantes contentam-se com a situação de produzir o que não comemos e só exportamos (algodão, tabaco, gergelim, bananas, etc.), e de importarmos o que comemos (arroz, farinha de milho, trigo, etc.).
  5. e) a nossa rede de estradas – como demonstrei no meu texto do mês passado – está configurada para servir os interesses dos países vizinhos, deixando para o segundo plano a ligação entre as zonas de produção agrícola e as zonas de consumo dentro de cada província ou de cada distrito.

 

Vemos, então, que o principal problema reside na secundarização da agricultura. Para inverter a secundarização da agricultura, é necessário que o Poder assuma realmente o princípio constitucional, elaborando e fazendo cumprir uma política agrária explícita, ajustada e estável, com instituições de gestão profissional, que sejam eficazes e eficientes, e com maior afectação de recursos internos. Instituições democráticas que envolvam os agentes económicos nos processos de decisão e fiscalização e tenham capacidade de gerir conflitualidades à luz do Direito e em defesa dos direitos humanos. É necessária uma política agrária que corresponda à promoção de um desenvolvimento sustentável da economia e da sociedade e que seja independente dos interesses económicos e políticos conjunturais.

Ademais, os esforços conducentes a desenvolver o sector da agricultura e produção alimentar nos próximos anos devem estar reflectidos no orçamento por acções concretas e recursos específicos direccionados para promover iniciativas dos agricultores de pequena escala, particularmente mulheres e jovens, focalizando naquelas componentes do orçamento agrário que, quando implementadas, terão impacto directo neste grupo alvo, com destaque para as áreas de: (i) apoio directo à produção, (ii) serviços de investigação e extensão agrária e rural, (iii) sistemas de irrigação de média e pequena escala, (iv) microcrédito e serviços financeiros rurais, v) gestão pós-colheita e (vi) segurança de uso e posse de terra. Particular atenção deve ser dirigida para a agricultura familiar e as opções das práticas agro-ecológicas associadas, para o alcance da soberania alimentar.

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