Qualidade da oposição moçambicana: que futuro se pode esperar para a democracia?
Por Dr. Deolindo Paúa
Numa das edições desta revista, no contexto da morte dos protagonistas da oposição política moçambicana, referi-me ao factoque já não tínhamos alternativa política. A Frelimo já mostrou a sua incapacidade de governar e de levar os moçambicanos aos mais básicos objectivos de um Estado. Por exemplo,
48 anos depois da independência sob a quase exclusiva governação do partido Frelimo, ainda não há segurança em Moçambique: as pessoas são roubadas à luz do dia e na via pública, as guerras nunca acabam. O sistema de saúde: os medicamentos de qualidade são propositadamente contrabandeados; muitas vezes só é atendido quem desembolsa suborno, os partos nos hospitais são feitos apenas se se subornar a parteira de serviço; os pobres vão aos hospitais públicos e os ricos e políticos para as clínicas privadas. O sistema de educação continua um desastre e o respeito pelos direitos humanos continua não interessando às instituições e à política. Tudo isto indica que há motivos suficientes para os moçambicanos querem desesperadamente mudar de governação. Mas o problema que aflige a quase todos é: mudar para onde? Existe uma alternativa política viável e segura?
Que alternativas para a mudança?
As pessoas decidem sempre mudar se houver, do outro lado, uma melhor alternativa em relaçãoàquela que pretendem abandonar. Ninguém muda para escolher a mesma coisa ou coisa pior do que a anterior. No nosso jogo democrático, mudar de alternativa significaria trocar o partido que governa por um outro. Essa troca normalmente é feita quando se tem a certeza de que o partido a escolher assume os anseios do povo. Ora, a experiência da nossa democracia nos manda aprender que, pelo menos ao nível de comportamento político, os partidos políticos da oposição comportam-se como se fossem cópias da Frelimo, pelo menos em termos de políticas de gestão pública.
Nesta nossa história recente de democracia, é fácil notar o comportamento dos membros da oposição que demonstram seu interesse e apego mais ao poder do que aos interesses do povo, o mesmo comportamento do partido que governa. Lembre-se que as maiores reclamações sobre a governação da Frelimo prendem-se com a corrupção, o clientelismo, o nepotismo e o indisfarçável tribalismo. Igualmente, pode-se notar que desde que o MDM começou a governar territórios autárquicos, surgem reclamações de nepotismo, clientelismo, regionalismo, etc.; assim também, na Renamo, logo após os presidentes municipais eleitos tomarem poder, relatos não faltam sobre a expulsão de funcionários para no seu lugar serem contratados membros do partido, ou pessoas chegadas a quem é membro do partido.
O nepotismo caracteriza a governação ao se preferir sempre militantes do partido para empregos de gestão em detrimento de pessoas tecnicamente formadas para o efeito e, infelizmente, este problema afecta todos os partidos que experimentaram a gestão pública. Tudo funciona à base da militância e do clientelismo. Aliás, o interesse de mais poder em detrimento da boa democracia podem ser observados na atitude dos membros dos partidos da oposição, ao exigirem a implementação das eleições distritais mesmo conscientes de que o sistema de governação descentralizada está viciado de incongruências que deviam ser, antes, corrigidas. Este comportamento dos partidos da oposição mostra que não se interessam com o modo como a máquina funciona, estão mais interessados em acomodar seus membros em cargos de chefia para ganhar dinheiro.
Sei que alguém vai pensar que trago de forma leviana especulações para sustentar a minha tese. Entretanto acho que uma visão sobre a política da governação local do nosso país pode confirmar as minhas alegações. A minha preocupação é, sobretudo, de ver uma democracia genuína implantada. Para isso, tenho o direito de exigir boa qualidade dos partidos da oposição. O comportamento dos partidos da oposição deixa a impressão de que seu interesse ao assumir o poder não é de mudar as coisas, mas simplesmente de serem eles a fazer as mesmas coisas que a Frelimo faz!
Oposição sem qualidade
O que me torna reticente sobre a qualidade da nossa oposição são factos e oportunidades que a oposição teve de agir em favor do povo mas não o fez. O exemplo que dei acima sobre a governação nas autarquias controladas pela oposição, uma governação baseada também no nepotismo e regionalismo pode ser ilustrativo. Mas também na Assembleia da República (AR), as bancadas da oposição mostraram o seu apego ao dinheiro, traindo a vontade popular várias vezes. Quando se trata de dinheiro que beneficia aos deputados, todas as bancadas tornam-se aliadas, mesmo que tal acto prejudique o povo. Igualmente, em 2008, em pleno final de mandato, a AR decidiu aprovar para os deputados, um conjunto de regalias para os seus deputados. Essas regalias incluíam férias, pensões, subsídios, etc., mesmo que o deputado estivesse já fora do mandato. O curioso foi observar que tal lei foi aprovada por unanimidade. A oposição que sempre chumba propostas de lei do governo nem se deu ao trabalho de analisar, simplesmente aprovou porque a lei beneficiava os seus interesses financeiros. Finalmente, mais recentemente, concretamente em 2021, a AR aprovou uma lei que alterava o regime do funcionário parlamentar. Mais uma vez, apesar dos valores criminosos que eram propostos para salários e regalias de tais funcionários, todos os deputados da AR, incluindo os da oposição, calaram-se, aprovaram.
As duas leis só não entraram em vigor graças a intervenção da sociedade civil que sentiu que o Estado e o povo estavam a ser assaltados pelos seus próprios representantes, os deputados. Este ano, mais uma vez, o governo propôs a nova Tabela Salarial Única, também chamada TSU. É de domínio público que apesar das expectativas que criou no seio dos funcionários públicos, a TSU, na prática, apenas aumentou de forma escandalosa os salários dos altos funcionários e agentes do Estado, incluindo todos os deputados, que viram o seu salário dobrar. E, mais uma vez, como a tabela os beneficiou, os deputados aprovaram a lei da TSU por unanimidade, sem a analisarem ao detalhe
Que deputados representam realmente o interesse do povo?
O povo precisa de alternativas para mudar e melhorar o país e o próprio processo democrático. Seria bom se os partidos políticos da oposição se reinventassem e voltassem a ser opção alternativa segura. Estamos à porta das eleições e o povo precisa de votar com alternativas seguras e sérias e não alternativas que em nada diferem entre si. Para ajudar a regressar a vossa ideologia que vos tornou populares, seria bom se respondessem às questões que vos propusemos nesta reflexão.