Violação de domicílio
Por Dr. Armando Ali Amade
A semana passada, duas minhas vizinhas, começaram a brigar entre elas porque uma delas acusava a filha da outra de ter-lhe roubado uma peneira de amendoim. A filha conseguiu fugir e a acusadora começou a correr atrás dela sem conseguir apanhá-la. Quando chegou à frente da minha casa começou a dizer que eu tinha escondido a menina fugitiva dentro da casa. Eu neguei firmemente. E assim tudo parou até que, depois de pouco tempo, apareceu na minha porta um polícia que pretendeu entrar dentro da minha casa à procura da menina. Apesar de eu proibir, porque ele não tinha nenhum documento que autorizava a entrada na minha casa, ele entrou na mesma, verificou e não encontrando ninguém, foi embora. Eu acho que este foi um grande abuso. O que é que diz a lei nestas situações e como é que se deve comportar em situações similares?
(Eduardo Macário –Nampula)
Para o caso em análise, vamo-nos alhear à causa do suposta “briga” e focarmo-nos tão-somente na questão que incomoda o nosso caro leitor, por sinal legítima.
Da subjunção dos factos narrados pelo nosso leitor e o enquadramento jurídico dos mesmos podemos afirmar que estamos perante uma violação de domicílio. Define-se por domicílio voluntário geral da pessoa como sendo o lugar da sua residência habitual, isto é, a sua casa ou habitação – número 1 do artigo 82º do Código Civil.
Ora, o domicílio geral, habitação ou casa se quisermos, é um lugar “sagrado” sujeito a protecção, para cuja entrada e permanência carecem duma autorização prévia do seu proprietário (dono da casa). Só para ficar com ideia da importância e inviolabilidade duma habitação, o Estado, com todo seu poder, não pode intervir na organização ou composição dos imóveis da casa, a quantidade e tipo de quartos número de salas, quem dorme onde, como, etc., pois isso só cabe ao proprietário decidir.
Aliás o domicílio é de tal sorte importante, que o Estado o protege ao ponto de indicar na Lei Mãe que, o domicílio (casa) de alguém não pode ser violado salvo nos casos especialmente previstos na lei – número 1 do artigo 68º da Constituição da República de Moçambique. Mas como não há regra sem excepção, a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ocorrer quando, excepcionalmente, ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas especialmente previstas na lei, em atenção ao disposto no número 2 do mesmo artigo da Constituição da República de Moçambique.
Portanto, o agente da autoridade (polícia), pese embora estar devidamente uniformizado, portar uma arma de fogo e algemas na cintura, não tinha absolutamente nenhum poder/autorização para entrar na casa do caro leitor. Podia sim, se tivesse uma ordem judicial emitida por um juiz, ordem a ser executada de dia e nunca de noite. Doutra forma estaria a violar a lei e a Constituição da República de Moçambique que ele mesmo jurou respeitar e fazer respeitar.
A violação do domicílio faz parte dos crimes contra a reserva da vida privada a sua punição está tipificada no artigo 250º da Lei n.º 24/2019 de 24 de Dezembro – Código Penal, que dispõe o seguinte:
n.º 1 – Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou em pátios, jardins ou espaços vedados anexos àquela habitação ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se, é punido com pena de prisão até 1 ano e multa correspondente.
n.º 2 – Se o crime previsto no número anterior for cometido por meios de violência ou ameaça de violência, com uso de arma ou por meio de arrombamento, escalamento ou chave falsa, de noite ou em lugar isolado ou por duas ou mais pessoas, o agente é punido com pena de 1 a 2 anos de prisão e multa correspondente, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal.
Como pode ver, independentemente da posição social, política, religiosa ou económica do individuo, ou mesmo Polícia, Procurador, Governador, Ministro, etc. não pode entrar no domicílio, habitação de alguém sem o seu consentimento ou autorização por parte do seu proprietário salvo se portar uma ordem judicial para o efeito.
Veja que ordem judicial não é notificação da esquadra, notificação da esquadra não habilita a pessoa de entrar em casa alheia.