O que podemos dizer da sanidade e integridade dos nossos deputados?
Por Dr. Deolindo Paúa
Quando o filósofo italiano Norberto Bobbio aconselhou que os representantes do povo tinham de ser seleccionados entre as pessoas mais idóneas e honestas, a sua pretensão era também a de colocar na consciência das pessoas a ideia de que representar um povo é tarefa desafiante, mas nobre. Não se pode querer representar um povo partindo de ambições pessoais. O grau mais alto de representação política é o de ser legislador, em nome do povo. Por isso, o deputado, como representante do povo, deve viver a realidade do povo, sentir as deficiências do povo, conhecer as suas aflições para lhe saber representar à vontade.
Servir bem ao povo não é obrigação exclusiva do deputado, mas também de todo aquele que exerce a sua actividade profissional no sector público. Como se vê, o Estatuto dos Funcionários e Agentes do Estado, lei que regula a actividade profissional no sector público, obriga que quem exerce qualquer função a favor do Estado tenha integridade moral e psicológica. De facto, o povo não pode ser servido por pessoas com problemas morais e psicológicos graves, mesmo que a função seja das mais básicas. O povo deve ser servido por pessoas moral e mentalmente saudáveis, pior quando se trata de serviço em um órgão de soberania.
Ora, há dias fomos surpreendidos com a informação de que um deputado se apresentou embriagado na plenária da Assembleia da República (AR). Verdade ou não, a minha preocupação é de que a função pública está a ser banalizada e este é apenas um exemplo. Estávamos habituados a ouvir e ver professores, enfermeiros ou policiais a não prestarem seu serviço ao Estado devidamente por causa do consumo excessivo do álcool até, inclusive, a perderem seu emprego por isso.
Mas o que é sanidade?
Na generalidade, a sanidade mental pode referir a integridade psicológica para exercer uma actividade ou assumir uma responsabilidade. Refere sobretudo uma mente livre de qualquer doença, qualquer substância ou produto que influencie o seu normal funcionamento. O normal funcionamento da mente mede-se pela coerência e clareza com que se pode julgar as coisas, a sensibilidade que se pode ter com a realidade, a ligação entre a actividade desenvolvida e o efeito desejado. Quer dizer, a sanidade deve ajudar o indivíduo a fazer uma ligação natural e honesta entre aquilo que ele faz e os resultados que são esperados dessa actividade. Se entendermos a sanidade neste contexto, haverá na AR alguém cuja sanidade seja íntegra?
Esta pode ser uma pergunta injusta, por possivelmente faltar a solidariedade com alguns deputados íntegros, também pode ser uma pergunta perigosa mas, apesar de tudo, a pergunta é pontual.
Penso que agora, mais do que nunca, muitos concordamos que a história do desempenho da nossa AR é inglória. O seu funcionamento tem sido amarrado a vontades políticas. Não faz sentido que deputados que deviam representar o povo legislem contra aquele que deviam representar.
Deputados que agem a reboque
Cerca de 30 milhões de habitantes não podem ser representados por 250 indivíduos cuja conduta e comportamento não deixa a maioria confortável. Mais do que por militância partidária, o deputado devia ser proposto e eleito pela sua competência, idoneidade, honestidade e integridade moral. Na nossa AR, estas qualidades parece faltarem a muitos representantes do povo. De facto, é difícil reconhecer integridade moral e sanidade mental em pessoas que trabalham de forma egoísta para seus próprios benefícios, sem contarem com o prejuízo daqueles a quem deveriam representar. O nível assustador de desemprego já é prova da exclusão social; a corrupção já foi praticamente institucionalizada no nosso país e, mais recentemente, os desajustes salariais já mostraram a clara pretensão de controlar os cargos de chefia, para a partir deles controlar os funcionários de base; as dívidas ocultas provaram a captura do Estado. Enfim, a representação ganhou novos conceitos, ajustados ao narcisismo dos governantes. Diante destas situações, o que tem feito a AR? O que fazem os deputados? Nada!
Este “nada” pode ser sustentado por uma destas duas razões: ou a AR não exerce o poder que devia exercer por não possuir ainda soberania suficiente para tal, ou os deputados estão limitados tal que não podem agir. Assim, podemos entender o medo de cada deputado de tomar a sua própria iniciativa, fora da “manada” e defender a sua integridade. Mas, se o medo o proíbe de ser coerente e íntegro, então, não pode ser mentalmente sadio. É um deputado covarde, interesseiro e que por isso não tem condições morais e mentais para representar um povo.
O medo é responsável pelo facto de na nossa AR, 250 deputados andarem a reboque de líderes partidários. Mas é um medo doentio porque é sustentado pelo egoísmo. Ninguém quer arriscar a exigir demais em favor do povo, porque teme perder o cargo. Por exemplo, há dias foi aprovada pelo governo a proposta de revisão da política nacional de terras. Apesar do grito da sociedade civil sobre a injustiça que tal lei vai implantar nas comunidades e famílias rurais, o documento foi aprovado pelo governo. Dentre os vários problemas que a proposta da nova política de terras provoca está o facto de ela poder expropriar com facilidade as terras das comunidades ao colocá-las nas mãos de uma família singular. Esta lei, de longe, visa facilitar a expropriação de terras, já que na lei anterior o conceito de terras comunitárias tornava as coisas complicadas quando o governo quisesse hipotecá-las a farmeiros estrangeiros.
Ao analisar tal proposta de lei, os deputados têm a oportunidade de provar a sua integridade e o seu compromisso, mais com o povo do que com as elites políticas interesseiras.