Síntese do Simpósio de ‘’Diálogo com Lideranças Religiosas’’ Anchilo Junho 2023
O Grupo de Reflexão sobre o Diálogo Intercultural e Inter-religioso de Nampula, realizou nos dias 6-7-8 de Junho 2023, em colaboração com o Centro Sócio-Pastoral São Paulo VI de Anchilo, da Igreja Católica, a Comissão Arquidiocesana para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso, a Plataforma dos Clubes de Paz de Nampula, (Conselho Islâmico de Moçambique – CISLAMO e Conselho Cristão de Moçambique – CCM), em pareceria com o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), um simpósio sobre o tema: “Diálogo com lideranças religiosas”.
A seguir vai a síntese dos trabalhos realizados:
O pressuposto para uma coexistência respeitosa e pacífica entre confissões religiosas num determinado País, é que o Estado seja laico. O Estado é chamado a garantir que o espaço público pertença a todos, e que nenhum indivíduo possa impor suas crenças e convicções sobre outros. Nasce então uma sociedade que sabe conviver na diversidade, tendo o Estado como garante desse direito. A laicidade do Estado permite que haja sintonia entre todas as crenças, sem restrições, porém dentro dos limites indicados pela legislação do País.
O Estado moçambicano encoraja a presença de diferentes confissões religiosas e garante a todas o respeito pelos mesmos direitos e deveres. O Estado não deve interferir nas atividades das várias religiões, mas vigiar pelo cumprimento das prerrogativas legais vigentes, por parte das religiões, para que elas actuem respeitando a lei do País.
A presença das lideranças religiosas nos âmbitos institucionais não é má em si mesma, desde que o sistema não desacredite o nome da religião de pertença, forçando aquele líder a adoptar comportamentos inadequados e contrários aos valores promovidos pela sua religião. É necessário velar para que a religião não seja utilizada para fins políticos ou partidários, pois, a laicidade não deve significar o abandono pelo Estado das instituições religiosas, mas sim um ponto de convergência das diferentes tradições religiosas. Assim, evitar-se-á o uso e abuso do fenómeno religioso, como está acontecendo em várias regiões do País, como é o caso de Cabo Delgado.
Para que a sociedade possa conviver com as suas diferenças, é necessário cultivar um certo consenso em torno de determinados valores, proporcionando o que é definido como o mínimo ético. Isso pressupõe a procura daquilo que é justo, do correto e do bom.
A justiça deve estar sempre na base do mínimo ético. Uma justiça que procure “costurar” as divisões e as diferenças para que sobressaia o bem comum, para que se enalteça a paz e a harmonia com todos os seres viventes.
A vivência comum implica a ideia de que ninguém está sozinho, mas cada um deve algo a um Outro: Deus, os Antepassados, a Comunidade, a Família.
Os princípios éticos, só poderão ajudar a reestabelecer a moral e a justiça se descerem do nível da mente para o nível do coração. Isto significa que o mínimo ético deve ser visto e assumido como uma consciência de cidadania e pluralismo cultural e religioso. Acrescenta-se ainda que para atingir os pressupostos do mínimo ético e de um adequado diálogo inter-religioso, é necessário renunciar ao proselitismo e cultivar os valores da amizade e da fraternidade comum.
Em tudo isto, o ponto de partida para uma convivência pacífica é o conhecimento dos fundamentos religiosos das várias crenças, como por exemplo do cristianismo e do Islão.
O cristianismo nasce do seguimento de Jesus de Nazaré, e se desenvolve como continuação da sua missão para com toda a humanidade. O Islão tem também a consciência de ter uma missão religiosa na história, a de proclamar a unidade e unicidade de Deus a toda a humanidade. Sendo Deus o Criador, o ser humano é chamado a cumprir com a Sua vontade, em todas as esferas da vida pública e privada. O Islão e o cristianismo partilham valores comuns: o mandamento do amor a Deus e ao próximo; a caridade sem fronteiras; a misericórdia; a fraternidade universal; o testemunho de vida; a centralidade da pessoa humana; o perdão e a reconciliação; a missão de anunciar a mensagem contida nos Livros Sagrados e na tradição profética, a justiça e a paz. A partir da vivência destes princípios, é possível chegar a uma convivência baseada no respeito recíproco, cultivando aquilo que é comum a todos.
Não há convivência inter-religiosa sem diálogo inter-religioso. Para chegar a um diálogo inter-religioso é necessário assumir a condição de uma sociedade diversa na sua cultura e na religião.
O ser religioso num mundo globalizado deve ter uma visão adequada da sua religião e de outras comunidades, com uma consciência positiva da diversidade. Cada comunidade deve estar ciente da existência do seu próprio grupo e de outros grupos, com todas as diferenças que isso comporta.
Tal convivência inter-religiosa tem as suas fraquezas e as suas oportunidades também. Entre as fraquezas, sobressaem as seguintes: a exclusão ou autoexclusão de certos grupos da participação na vida social e religiosa, isso devido a certos complexos de inferioridade ou superioridade; o crescimento do radicalismo ou extremismo religioso; a ignorância em relação aos fundamentos religiosos próprios ou de outros; a manipulação política e ideológica do fenómeno religioso, seja a nível local, nacional ou global.
Há também oportunidades, como por exemplo: o crescimento em qualidade e quantidade da liderança religiosa com conhecimento teológico; a história de interação multicultural e multirreligiosa da sociedade moçambicana; a partilha dos princípios de paz, igualdade, generosidade, solidariedade, em todas as religiões; os vários espaços de intercâmbio de conhecimento religioso abertos a todos, como é o caso dos Simpósios promovidos pelo Centro Sócio-Pastoral São Paulo VI de Anchilo – Nampula; o projecto do curso de formação e investigação em Ciências da Religião da Universidade Rovuma em Nampula; a vontade expressa por toda a comunidade em desenvolver um ambiente de paz e igualdade entre os seres humanos.
Porém, para dar mais um passo em frente no caminho da convivialidade das diferenças, é importante verificar qual é a influência de valores religiosos numa sociedade multicultural, multiétnica e multirreligiosa.
O ponto de partida é a consideração do conhecimento da outra religião como uma oportunidade para viver melhor a própria crença.
A teologia comparativa dá um contributo neste sentido, o que implica, antes de mais, entrar em diálogo com outras religiões para depois elaborar uma teologia da própria religião, tendo em conta as fontes de outras tradições sagradas, quer das religiões monoteístas com uma longa tradição teológica, bem como das religiões tradicionais africanas.
Nisso, é evidente a ideia da noção de “Ubuntu”, isto é: “uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”. No contexto africano, isso sugere que o indivíduo se caracteriza pela humanidade com seus semelhantes e através da veneração aos seus antepassados. Ao mesmo tempo, é privilegiada a categoria da relação e do encontro com o outro, num desejo sincero de felicidade e harmonia entre os seres humanos.
A este ponto surge também a ideia de como transmitir todos estes conteúdos a um público maior. Aí nasce a pergunta sobre o papel dos meios de comunicação social na difusão de valores religiosos comuns.
Olhando para a realidade atual, existe o risco de os meios de comunicação social transmitirem sobretudo notícias de morte, guerras, catástrofes, a fim de captar a atenção do espetador e aumentar o número de ouvintes. Privilegia-se o aspeto sensacionalista e a informação tendenciosa.
Pelo contrário, os meios de comunicação social devem oferecer mensagens e programas construtivos e positivos, para divulgar valores que ajudem na construção duma sociedade melhor. Daí a necessidade de uma maior cooperação entre os canais de televisão e de rádio a nível local, bem como a formação de jornalistas e operadores, para que sejam atentos às diferentes sensibilidades religiosas e sociais, e para criar pontes e ligações entre todos.
Para formar líderes religiosos que saibam bem orientar e guiar as suas comunidades de fé, é essencial oferecer-lhes meios adequados para interpretar e divulgar corretamente os textos sagrados das suas tradições religiosas, bem como o conhecimento dos textos sagrados de outras religiões.
Deus deu a conhecer a sua identidade e o seu plano sobre a humanidade e o mundo, através da sua Palavra, comunicada e revelada ao longo dos tempos a mensageiros, profetas e pessoas inspiradas por Ele, através do seu Espírito. A Palavra de Deus chegou até hoje, através de processos de transmissão e interpretação, de acordo com as tradições religiosas que lhe eram associadas. Por isso, é importante conhecer o contexto, os géneros literários e os métodos de transmissão e de interpretação da mensagem contida nesses textos. Até uma leitura comparada dos Livros Sagrados pode ajudar a apreciar as suas riquezas e as suas diferenças para o enriquecimento de todos os crentes.
Para uma melhor colaboração na transmissão correta da Palavra de Deus, surgem as seguintes propostas: 1) a elaboração de manuais de hermenêutica e de interpretação dos textos sagrados. As finalidades a serem perseguidas pela exegese das Escrituras Sagradas são de grande importância, porque visam garantir a efetividade da Palavra de Deus e a aplicabilidade de seus princípios. Este poderia ser um tema para um futuro Simpósio. 2) Que todas as confissões religiosas se comprometam a interpretar os textos sagrados tendo como pano de fundo a cultura da paz e harmonia entre as religiões. Que os trechos que fomentam ódio e guerra sejam evitados. 2) Publicações ecuménicas ou inter-religiosas pela paz: uma compilação que recolhesse textos relevantes e significativos de cada religião e reflexões teológicas breves, um material que serviria para a educação à paz e boa convivência, a ser difundido também na internet e nas várias religiões. 3) Criar um Observatório para a boa convivência. Um organismo interconfessional com a missão de fomentar nas crianças, jovens e adultos, o repúdio a toda a pregação e interpretação dos textos sagrados que ameaçam a paz e a boa convivência, através de mensagens televisivas, nas redes sociais, escolas e outros espaços públicos e confessionais.
Numa sociedade multiétnica, multicultural e multirreligiosa, o desafio consiste em promover a inclusão de todos os cidadãos neste processo de coexistência pacífica. Trata-se de levar a mensagem e o espírito deste Simpósio a todas as instituições governamentais, académicas e religiosas presentes no território, para que transmitam o seu conteúdo às suas respectivas comunidades. Convidar os grupos religiosos e civis que se autoexcluem a participar nos encontros sobre o diálogo intercultural e inter-religioso. Promover uma plataforma de diálogo intercultural e inter-religioso que inclua cada vez mais líderes religiosos, académicos, membros da sociedade civil e instituições estatais, a fim de assegurar o respeito e a promoção de um pluralismo cultural e religioso saudável, que fomente uma sociedade pacífica e justa. Continuar a promover eventos como este, alargando-o a outros lugares, como Nacala ou Memba.
Se nós usássemos uma fórmula matemática para sintetizar o conteúdo deste Simpósio, diríamos: respeito ativo, mais justiça, mais igualdade de direitos, mais cumprimento de deveres, mais fraternidade, é igual a PAZ. É o que se pretende promover e alcançar, valorizando tudo o que nos une e nos torna melhores cidadãos e crentes nesta sociedade e neste mundo.
Síntese do Simpósio de Anchilo 2023