Porque temos que nos interessar pelas mudanças climáticas?
A Exortação apostólica “Laudato Si” (LS) de 2015, exortava-nos a escutar tanto o grito da terra como a dos pobres; a “Laudate Deum” (LD) de 2023, centra-se na crise climática que afecta a terra inteira. O Papa Francisco abre novos caminhos para uma vida mais saudável para todos e chama à responsabilidade quem tem o poder de fazer que isto aconteça.
«Laudate Deum é o título desta carta, porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo» (LD 73).
O porque da Laudate Deum
«Já passaram oito anos desde a publicação da carta encíclica Laudato si’, quando quis partilhar com todos vós, irmãs e irmãos do nosso maltratado planeta, a minha profunda preocupação pelo cuidado da nossa casa comum. Mas, com o passar do tempo, dou-me conta de que não estamos a reagir de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe, está-se esboroando e talvez aproximando dum ponto de ruptura. Independentemente desta possibilidade, não há dúvida que o impacto da mudança climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e noutros âmbitos. (LD 2).
Trata-se dum problema social global que está intimamente ligado à dignidade da vida humana. Os Bispos dos Estados Unidos expressaram bem o sentido social da nossa preocupação com a mudança climática, que ultrapassa uma abordagem meramente ecológica, porque “o nosso cuidado pelo outro e o nosso cuidado com a terra estão intimamente ligados. As alterações climáticas são um dos principais desafios que a sociedade e a comunidade global têm de enfrentar. Os efeitos das alterações climáticas recaem sobre as pessoas mais vulneráveis, tanto a nível nacional como mundial”. E o mesmo disseram, em poucas palavras, os Bispos presentes no Sínodo para a Amazónia: “Os ataques à natureza têm consequências na vida dos povos”. E para sublinhar que já não se trata duma questão secundária ou ideológica, mas dum drama que nos prejudica a todos, os Bspos africanos declararam que as alterações climáticas evidenciam «um exemplo chocante de pecado estrutural» (LD 3).
Quem é o responsável?
«Na tentativa de simplificar a realidade, não falta quem culpe os pobres de terem demasiados filhos e procure resolver o problema mutilando as mulheres dos países menos desenvolvidos. Como sucede habitualmente, a culpa pareceria ser dos pobres. Mas a realidade é que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que o 50% mais pobre de toda a população mundial e que a emissão pro capite dos países mais ricos é muitas vezes superior à dos mais pobres. Como esquecer que a África, que alberga mais de metade das pessoas mais pobres do mundo, é responsável apenas por uma mínima parte das emissões no passado?» (LD 9)
Justificar com mentiras
«Diz-se também, com frequência, que os esforços para mitigar as alterações climáticas, reduzindo o uso de combustíveis fósseis e desenvolvendo formas de energia mais limpa, levarão à diminuição dos postos de trabalho. Quando o que está a acontecer é que milhões de pessoas perdem o emprego devido às diversas consequências da mudança climática: a subida do nível do mar, as secas e muitos outros fenómenos que afectam o planeta, deixaram muitas pessoas à deriva. Aliás a transição para formas renováveis de energia, quando bem gerida, assim como os esforços para se adaptar aos danos das alterações climáticas, são capazes de gerar inúmeros postos de trabalho, em diferentes sectores. Por isso é necessário que os políticos e os empresários se ocupem disso imediatamente» (LD 10).
Uma solução é possível
«Convido cada um a acompanhar este percurso de reconciliação com o mundo que nos alberga e a enriquecê-lo com o próprio contributo, pois o nosso empenho tem a ver com a dignidade pessoal e com os grandes valores. Entretanto não posso negar que é necessário sermos sinceros e reconhecer que as soluções mais eficazes não virão só dos esforços individuais, mas sobretudo das grandes decisões da política nacional e internacional (LD 69).
Se considerarmos que as emissões pro capite nos Estados Unidos são cerca do dobro das dum habitante da China e cerca de sete vezes superiores à média dos países mais pobres, podemos afirmar que uma mudança generalizada do estilo de vida irresponsável ligado ao modelo ocidental teria um impacto significativo a longo prazo. Assim, juntamente com as indispensáveis decisões políticas, estaríamos no caminho do cuidado mútuo» (LD72).
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Divida ecológica
Ter uma dívida ecológica significa que uma nação dos países do Norte global (países que se consideram mais desenvolvidos) consome mais recursos do que os que têm à disposição para o ano. Assim compra os recursos dos países do Sul global (países chamados em via de desenvolvimento) que não consomem tudo que o têm ao seu dispor, recursos naturais e humanos criando degradação de habitats naturais e poluição por descarte de resíduos.
«Também não podemos ignorar outro tipo de dívida: a “dívida ecológica” que existe de modo particular entre o norte e o sul do mundo. Com efeito, temos uma dívida com a própria natureza, mas também com as pessoas e os países atingidos pela degradação ecológica e pela perda da biodiversidade, induzidas pelo homem».).(Carta do papa Francisco aos participantes nos encontros de primavera de 2021 do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial)