Fraternidade Humana em prol da paz mundial
“Documento sobre a Fraternidade Humana em prol da paz mundial e da convivência comum”, cinco ano depois: impacto e perspectivas
Já passaram cinco anos desde 4 de Fevereiro de 2019, a data histórica da assinatura conjunta do “Documento sobre a Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da Convivência Comum”, feita em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, pelo Papa Francisco e Ahmad al-Tayyeb, Grão Imã da Universidade de al-Azhar no Cairo.
Desde então, graças a uma Comissão criada para implementar o Documento, foram alcançados pelo menos dois resultados: a proclamação, em Dezembro de 2020, pela ONU, do Dia Internacional da Fraternidade Humana, a celebrar a 4 de Fevereiro de cada ano; e a construção, em Abu Dhabi, da “Casa da Família de Abraão”, inaugurada em Fevereiro de 2022, para promover a convivência entre crentes e combater o extremismo: trata-se de uma mesquita, uma sinagoga e uma igreja unidas por um espaço comum, para sublinhar a unidade na diferença.
Ainda hoje, em muitos países existem grupos activos que aprofundam a relação entre cristãos e muçulmanos, partindo das considerações do Documento de Abu Dhabi. Também em Moçambique, em Nampula, Pemba, Lichinga e Nacala surgiram alguns grupos de reflexão sobre o diálogo intercultural e inter-religioso, tendo como ponto de referência o conteúdo do Documento acima mencionado.
Cinco anos após a sua publicação, parece que a mensagem ainda não foi totalmente percebida, tendo em conta as várias situações de instabilidade em todo o mundo. O extremismo, a violência, o ódio e até a intolerância religiosa continuam a proliferar, como testemunham os conflitos atuais na Ucrânia, na Palestina, em Israel, no Iémen, no Sudão e até na Província de Cabo Delgado, onde a situação ainda não está muito pacífica.
Para além disso, há ainda questões apresentadas no Documento que aguardam uma resposta. Em que ponto se encontra a compreensão do conceito de fraternidade?
Muitos falam disso, mas poucos estão dispostos a pô-lo em prática: de facto, há ainda muita desconfiança, muitos preconceitos e receios, a nível religioso, familiar, social e político. O que dizer da liberdade de cada ser humano e, em particular, da liberdade de consciência e de religião, muitas vezes garantida pelas constituições dos Estados, mas ainda pouco aceite em várias partes do mundo? O que dizer do direito à plena cidadania e da relação entre as maiorias e as minorias étnicas, linguísticas e religiosas? Qual é o estado da garantia dos direitos plenos das mulheres a nível social, mas também no seio das estruturas religiosas?
Cinco anos não é muito tempo, mas sabemos que o interesse por um acontecimento, na opinião pública, se desvanece rapidamente. De facto, quantas pessoas, nas várias igrejas, mesquitas, escolas, lugares de encontro, de trabalho, conhecem actualmente este Documento profético e, sobretudo, quantas, mesmo conhecendo-o, compreenderam o seu espírito e o seu conteúdo?
A visão do Documento é mais actual do que nunca: Viver juntos é um verdadeiro desafio, mas também pode revelar-se uma oportunidade. Coloca-se então a questão: o que podem os crentes fazer juntos que possa beneficiar o bem-estar material e a convivência entre todos?
Um primeiro desafio é saber encontrar o outro, aquele que é diferente de mim em língua, cultura, religião. Se não nos encontrarmos, corremos o risco de nos fecharmos no medo e no preconceito em relação aos irmãos e irmãs que partilham a nossa humanidade. Não se trata de impor, mas de propor, e é exactamente isso que faz o diálogo inter-religioso, intercultural e ecuménico.
Um segundo desafio, num espírito de coexistência, não é ficar com ideias abstractas sobre o diálogo, mas sim viver juntos e praticar o serviço aos mais desfavorecidos, àqueles que a sociedade descarta e até elimina por serem os mais fracos.
As várias crises: económica, sanitária, ambiental, requerem uma acção urgente e não podem ser ignoradas por ninguém.
Um terceiro desafio é viver em fraternidade. Nesta sociedade multi-religiosa, multicultural e pluralista, é urgente cultivar a capacidade de convivência. O único futuro razoável é, de facto, o de uma “convivialidade de culturas e religiões”. Por isso, é importante que a fraternidade seja aceite tanto por crentes como por não crentes, todos juntos lutando com as velhas e novas crises, que tornam o futuro deste mundo incerto e sombrio.
Um quarto desafio é o diálogo entre as religiões ao serviço da paz. A responsabilidade das religiões hoje em dia é grande. As comunidades religiosas devem considerar o compromisso comum pela paz entre os povos. Não para fazer proselitismo, mas para favorecer uma maior fraternidade. Os crentes, se fossem verificar as raízes profundas da sua fé, encontrariam nas diferentes religiões uma escola de coexistência e paz. Todas as religiões preservam pelo menos a regra de ouro: não faça aos outros o que não quer que seja feito a si próprio.
Nesta altura, é possível afirmar que as religiões têm uma grande responsabilidade na coexistência dos povos: o seu diálogo tece uma teia pacífica, afasta as tentações de rasgar o tecido civil e liberta da instrumentalização das diferenças religiosas para fins políticos. Mas isto requer ousadia e coragem.
Portanto, cada cidadão é chamado a assumir as suas responsabilidades e a pedir aos líderes políticos que actuem para o bem comum e na busca da paz, a fim de pôr fim aos muitos conflitos que ainda causam dor, sofrimento e morte em tantas partes do mundo e neste país também.
O Documento sobre a Fraternidade Humana nasce da fé em Deus, que é o criador de tudo e de todos e o artífice da paz. E condena toda a destruição, toda a guerra e todo o terrorismo. E se nós, crentes, sobretudo cristãos e muçulmanos, não formos capazes de nos dar a mão, de rezar na fé comum, e actuar em conjunto, será uma derrota para todos.