Partidarizar a educação?
A educação é um direito humano e um factor crucial para a melhoria da qualidade de vida das pessoas assim como para o desenvolvimento económico e social sustentável das nações. De acordo com a Constituição da República de Moçambique (art. 88), a educação é um direito e dever de cada cidadão, cabendo ao Estado promover a extensão da educação à formação profissional contínua e a igualdade de acesso de todos os cidadãos ao gozo deste direito.
Enquanto direito universal, a educação não deve nem pode ser partidarizada. O seu acesso não deve depender da filiação partidária dos cidadãos nem enquanto professores, nem enquanto alunos, muito menos enquanto agentes administrativos do sistema de educação. Da mesma forma que a disponibilização das infra-estruturas de educação, do livro escolar e de outros insumos imprescindíveis ao processo de ensino e aprendizagem, também, não devem ser partidarizados.
Mas na nossa realidade moçambicana, assistimos o contrário: a partidarização da educação, contra todos os princípios nacionais e internacionais. Sem recuar muito no tempo, apresento o meu argumento com a ilustração de três casos ocorridos neste ano de 2024. São eles:
i) O caso do Governo Provincial de Sofala recusar receber a Escola construída pelo Conselho Autárquico da Beira, dirigido pelo Movimento Democrático de Moçcambique (MDM), alegando que as cores do edifício não eram adequadas;
ii) O caso dos oito professores da vila autárquica de Vilankulo transferidos para outras escolas fora da cidade, com a alegação de terem apoiado a lista da Renamo; e
iii) O caso do professor de Português na Escola Secundária de Milange, eleito segundo vice-presidente da Assembleia Autárquica de Milange, depois de ter sido cabeça-de-lista da Renamo nas eleições de Outubro de 2023; após tomada de posse na respectiva Assembleia Autárquica, foi transferido para outra escola, fora do raio autárquico.
Nesta era das redes sociais e da massificação da informação, nenhum dos três casos acima passou despercebido à opinião pública. Felizmente, em nenhum dos casos, foi mantida a vontade dos autores da partidarização. As denúncias e condenações públicas que foram feitas em cada um dos três casos, obrigaram as autoridades superiores a anularem as decisões dos seus subordinados em Milange, na Beira e em Vilankulo.
A relação entre o acesso a uma educação de qualidade e o desenvolvimento económico e social é indiscutível e evidente. De acordo com um relatório recente da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), proporcionar a todas as crianças o acesso à educação e as competências necessárias para participar plenamente na sociedade aumentaria o produto interno bruto (PIB) em uma média de 28% ao ano nos países de baixa renda e 16% ao ano nos países de alta renda nos próximos 80 anos. A OCDE é um fórum de 35 países mais ricos do mundo, que se dedica à promoção dos padrões convergentes em vários temas, como questões económicas, financeiras, comerciais, sociais e ambientais.
A educação é um dos instrumentos mais fortes para a redução da pobreza, para garantir a equidade e a inclusão, para a paz e a estabilidade. A educação impulsiona o crescimento económico a longo prazo, estimula a criatividade, a tecnologia e inovação, pilares para o desenvolvimento, reforça as instituições e promove a coesão social. A educação cria oportunidades para o emprego e para o aumento do rendimento dos indivíduos e das famílias. Investir na educação é a condição primeira para eliminar a pobreza, é investir no crescimento sustentável e na prosperidade das pessoas, das sociedades e dos países.
Acesso e qualidade, as duas faces da mesma moeda
Para ter impacto sobre o desenvolvimento não basta apenas o acesso à escola, é necessário que a educação seja de qualidade, que ela garanta a aprendizagem e permita o desenvolvimento das competências (cognitivas, socio-emocionais, técnicas e digitais) das crianças, jovens e adultos necessárias para responder aos desafios do mundo actual com toda a sua complexidade. Competências como pensamento crítico, resolução de problemas, criatividade e alfabetização digital são fundamentais para lidar com locais de trabalho complexos e em rápida mutação.
Para uma educação de qualidade é necessário um sistema educativo robusto, integrado e coerente, sustentado por professores qualificados, com formação profissional adequada, valorizados e motivados. A responsabilidade de proporcionar aos cidadãos uma educação de qualidade cabe, em primeiro lugar ao governo, mas educar é uma responsabilidade de toda a sociedade, dos pais e professores, do sector privado e da sociedade civil. A integração de todos os sectores da sociedade no sistema educativo é condição sem a qual não pode existir qualidade da educação.
A questão da partidarização do Estado moçambicano vem sendo discutida e estudada desde a década de 1990, quando o nosso país decidiu adoptar o modelo político da democracia multipartidária, abandonando o regime de partido único, que então vigorava desde a independência nacional, em 1975. Em várias ocasiões, quando se fala da partidarização do Estado, fica-se com a impressão de se estar a falar de um assunto meramente teórico. Os três casos que mencionei acima, do exemplo da educação, mostram como se partidariza o Estado, contrariando assim à composição da sociedade moçambicana que é multipartidária, multiracial e multi-étnica. (Por: Tomas Selemane)