Maus exemplos da nossa história
É o tempo favorável para, no espírito jubilar em preparação dos 50 anos da Independência, analisarmos a nossa história heróica e calcularmos onde estamos em relação aonde deveríamos estar como nação, como sociedade. Acho que a melhor forma de fazer isso é evitar erros do passado que comprometem a nossa integridade como Estado.
Quando a Frelimo recebeu o poder do governo português no contexto da independência, esforçou-se por garantir que a fundação do Estado fosse uma actividade participada por todos. Essa participação foi o que o governo da época chamou de democracia popular. Com efeito, para garantir a consolidação do Estado, que acabava de ser fundado, todo o comportamento desviante e contrário à ideia da revolução, era prontamente corrigido com medidas enérgicas. A justificação histórica dessa posição na época era de que, apesar do colono português ter abandonado o país, havia ainda os seus germes implantados na mente de alguns indivíduos. Havia negros moçambicanos comportando-se, ainda, como colonos. Havia inclusive, indivíduos que a troco de benefícios desconhecidos tinham-se aliado ao espírito colonial para prejudicar o decurso da implantação do novo Estado que era Moçambique. Outrossim, um país que tinha passado por dez anos de guerra e cuja população se tinha habituado a produzir para terceiros e não para si, houve necessidade também de criar as bases de produção, estimulando o esforço de todos na prática da agricultura e no compromisso com o trabalho árduo, para levantar a economia nacional. Por isso, para evitar estagnação, a preguiça e a vadiagem foram combatidas de forma rígida.
A operação-produção
É neste contexto que devem ser lidas as políticas do pós-independência e pensar sobre elas para aproveitar a sua beleza e corrigir-lhe os erros que não devem voltar no futuro. Não quero neste texto questionar a necessidade das políticas adoptadas, até porque surtiram o efeito desejado. Quando Samora morreu, já havia na consciência dos cidadãos moçambicanos a ideia da necessidade de trabalhar para desenvolver o país. O que quero trazer nesta reflexão é a falta de acompanhamento das pessoas que foram objecto das medidas enérgicas para que não se agravasse o que se queria evitar ou não se desse mau exemplo à maioria da população. A operação-produção, por exemplo, evitou o crescimento da vadiagem na época. De facto, não se devia admitir que num contexto em que o país estava economicamente de rastos, indivíduos jovens e robustos enchessem as ruas sem fazer nada, sem colaborar com os esforços da maioria para levantar a economia. Mas a forma questionável como foi implementada, movendo pessoas de suas zonas de habitação para zonas distantes designadas de campos de produção, continua sendo o grande pecado contra a liberdade. Hoje, talvez por não haver mais a obrigatoriedade de trabalhar para ajudar o Estado a sair das crises e por não se estar mais no socialismo, não são apenas as ruas que estão cheias de preguiçosos, as instituições públicas também estão, inclusive de pessoas ocupando altos cargos com o vício da preguiça. No entanto, temos de admitir que a operação-produção violou direitos humanos básicos ao ter desligado filhos de seus pais, maridos de suas esposas, etc. Hoje, há famílias que nunca mais se reencontraram e o Estado não se deu ao trabalho suficiente pra reunificar tais famílias. Depois da operação-produção, que tal uma operação de reunificação das famílias?
Outro exemplo da nossa história é o tratamento que se deu aos considerados criminosos na pós-independência. De facto, logo depois da independência, os criminosos mais perigosos eram chamboqueados ou mesmo executados em público. Ainda que questionável em termos de direitos humanos, talvez a medida tenha ajudado a combater o crime ou a evitar que criminosos se multiplicassem como se pretendia. Até pode se correr o risco, hoje, de dizer que a proliferação de criminosos sem medo das autoridades resulta da falta de tratamento e punição adequados por parte do Estado. Mas uma coisa pode ser certa, aquela prática que era autorizada e estimulada pelo Estado, ainda que tenha sido politicamente necessária, pode ter dado mau exemplo às nossas populações.
Hoje, em parte pela inoperância das autoridades, mas também pela aprendizagem que as pessoas tiveram da violência do Estado, os criminosos são capturados e condenados à morte pela população. Era bom que o Estado reconhecesse ter dado mau exemplo no passado e, hoje, concebe-se uma educação cívica para corrigir essa prática de justiça pelas próprias mãos (linchagem).
A nossa sociedade, hoje, está exageradamente violenta, em palavras e em actos. Isso pode ter resultado de uma cópia do passado contra a qual o Estado nunca concebeu um sistema de educação, uma sensibilização ou uma educação cívica capazes de corrigir. Se continuarmos assim, essa tradição de violência será passada de geração em geração e sociedades vindouras podem ser cada vez mais violentas do que as de hoje. (Por: Dr. Deolindo Paúa)