Implementação do ensino bilingue

Dos vários factores que contribuem para o insucesso e abandono escolares, o governo elegeu o problema da língua e para resolvê-lo, na década de 90, introduziu no sistema de ensino a modalidade bilingue em línguas moçambicanas, língua portuguesa e língua de sinais moçambicana. O ensino bilingue é uma metodologia em que os conteúdos curriculares são apresentados aos alunos em duas línguas: língua portuguesa e língua nacional de cada região ou local, ao nível do país. (Cf. www.cmaputo.gov.mz)
O ensino em Moçambique tem estado a ser muito contestado por vários factores: por um lado temos o ensino bilingue que menos agrada a muitos utentes, por outro temos outras situações, como é o caso de passagens semiautomáticas que passaram a ser o vício de menos esforço e falta de interesse por parte dos alunos e respectivos encarregados de educação; erros constantes nos livros escolares de distribuição gratuita, a falta de valorização do professor, falta de autoridade do professor e muitos outros vícios que interferem no Sistema Nacional de Educação, permitidos pelos seus gestores.
Muitas destas situações que comprometem o ensino foram planejadas, equivocadamente, como a melhor forma de melhorar a qualidade de ensino. E agora, que balanço se pode fazer da educação bilingue, volvido o tempo necessário e suficiente para uma colheita almejada? Não me parece que seja gratificante.
Educação bilingue, como está antes dito, significa educação em duas línguas simultaneamente, sendo que uma língua funciona como catalisadora da outra no robustecimento da aprendizagem, de modo a fluir as mentes humanas para um rápido desenvolvimento pedagógico e psicossocial do aluno, para a promoção de mentes críticas e produtoras, rumo à uma sociedade cada vez mais justa, igualitária e orientada para uma “civilização” de amor. Uma sociedade “desenvolvida” e consciente de sua cidadania.
Experiência pessoal
Assim, torna-se imperioso imaginar na importância inquestionável do bilingue na actualidade de educação em Moçambique. Por outro lado, pensei em mim mesmo e nas minhas origens e lembrei-me que nasci num ambiente campestre, onde a comunicação foi 100% em língua local (materna), no caso de Emakhuwa. Foi aos7 anos, sensivelmente, que entrei na escola, onde comecei a me treinarna língua oficial, o Português. Esta viria a consolidar-se no átrio do Centro Internato onde vivi e estudei. Mais do que o bilingue, para a aprendizagem, neste local era condenável e por isso punível a fala em língua materna Emakhuwa. Era uma metodologia para a promoção rápida de fala, escuta, compreensão e escrita em língua oficial portuguesa. Foi muito desafiante, mas de repente passei a me ver diferente no que concerne ao aperfeiçoamento da fala e da escrita em língua portuguesa.
Não creio que o bilingue aplicado naqueles moldes e naquele tempo dos anos 90, fosse a melhor opção e que produzisse resultados para a rápida aprendizagem e eficiente aperfeiçoamento da língua portuguesa. Tenho dúvidas, pois os alunos actuais versados no bilingue, não sei quantos anos lá se vão, ainda não se mostram habilitados. Muitos deles não conseguem a mínima articulação seja para uma simples saudação ou nada mesmo, por escrito ou oralmente.
Árvore sem fruto
Moçambique vem de um currículo de ensino que ofereceu uma qualidade excepcional. É um facto histórico. Talvez que a minha fosse a 3ª e última geração do invejável currículo. Os meus antecessores mais qualificados que eu, falam de Tito e Lila. E eu tal como os meus contemporâneos, nas fileiras dessa qualificação e como a geração seguinte falamos de Paulo e Aida. Trata-se de personagens protagonistas de uma aprendizagem de qualidade na História de Moçambique e obrigatoriamente incontornáveis e inesquecíveis.
Qual seria então a melhor opção para uma rápida promoção de aprendizagem segundo a nossa experiência? Na verdade, muitos de nós sabemos que foi a partir da transição de Paulo e Aida para o currículo do famoso Júnior que as coisas passaram a distorcer-se.
Então, o que se deveria fazer nestes moldes, avançar na incerteza ou voltar a uma realidade vivida com bons resultados? Recuperar o currículo antigo, portanto da independência aos anos 90, seria a melhor opção e não inventar novas modalidades sem muitas garantias, mas que só gastam “rios” de dinheiro em livros mal concebidos e constantemente com erros generalizados.
Tenho dúvidas das garantias do bilingue para a melhoria da qualidade de ensino recentemente questionada.
Quem beneficia do ensino bilingue
Não são todos os alunos ao nível do país que se beneficiam de ensino bilingue. E porque? Não creio que seja descriminação nem parcialidade; na verdade só pode estar a se tratar de egoísmo, pois os filhos e parentes dos promotores do bilingue não são abrangidos pelo bilingue e nem por outra realidade pedagógica não abonatória visivelmente. Entretanto, generalizar as oportunidades também faz parte da promoção da unidade nacional, esta que é bastante promovida teoricamente. Aliás, estamos perante a prática inequívoca da desonestidade.
Parece-me que o ensino bilingue beneficia os alunos, na sua maioria, do campo. Mas aquele que precisa de aprender a língua nativa é o menino da cidade. Entretanto, não é o que acontece na realidade. Parece-me paradoxal. Na verdade, o programa em alusão é aplicado nos distritos periféricos, lá onde os alunos precisam de escola para aprender e dominar a expressão em língua portuguesa. Não creio que seja uma medida certa para uma boa e rápida aprendizagem. Por outro lado, limitar a maneira de administrar a aprendizagem por regiões não justifica a política de unidade nacional.
Os alunos do campo precisam da língua materna como alavanca para uma rápida e eficiente aprendizagem e quando poderá o aluno da cidade aprender a língua local?
Por: Dr. Graciano António