A CULTURA DE AUTO-IMPOSIÇÃO
![A CULTURA DE AUTO-IMPOSIÇÃO](https://vidanova.org.mz/wp-content/uploads/2024/08/frelimo.jpg)
Desde a independência estamos a braços com um grupo de pessoas que acha que é a melhor para governar o País. A Frelimo, traindo todo o processo democrático que levou a sua fundação, chamou a si mesma no contexto da transição de poder de Portugal para Moçambique, a legitimidade de assumir o poder e representar os interesses colectivos, mesmo consciente das várias convicções diferentes que existiam dentro e fora de si. Sem dar nenhuma oportunidade para os moçambicanos decidirem quem os poderia governar, parte da Frelimo autoproclamou-se guia do povo para lhe definir as vontades. No momento parecia boa ideia para todos, uma vez que a Frelimo era vista e deveria ser a reserva moral e a depositária da unidade nacional graças a qual o caminho da independência foi trilhado com sucesso. Só que não era assim porque até à época da independência, mesmo dentro do movimento libertário, havia facções, grupos de pessoas com ideias diferentes sobre como governar o Moçambique independente.
A auto-legitimação da Frelimo
Essas ideias deveriam ser respeitadas, mas, infelizmente, a auto-imposição de uns como os melhores para Moçambique, ganhou a batalha. Mais tarde, durante os sucessivos processos eleitorais a Frelimo tem-se assumido como a depositária e a fiel intérprete da vontade popular. Nessa missão, qualquer partido político diferente, qualquer sociedade civil ou indivíduo que exija energicamente o respeito dos direitos colectivos violados é visto como traidor, com falta de patriotismo e, pior, como instrumento desestabilizador ao serviço do ocidente ou de agendas estranhas a Moçambique. Quer dizer que a estratégia de auto-legitimação para assumir e manter o poder em detrimento dos outros é histórica.
Ora, a maior preocupação dos nossos dias é do alastramento dessa auto-legitimação. No contexto do ano eleitoral em que estamos, em todos os partidos há uma manifesta e acesa luta pelo poder. Nessa luta, uns acabam se sentindo mais legítimos que outros para dirigir os destinos do partido. Há inclusive, partidos de líderes vitalícios, que desde a fundação nunca foram substituídos. Num contexto de democracia tal comportamento não devia ser admissível. A democracia devia ser uma exigência constitucional para todos os sectores sociais e políticos. Aliás, é falacioso considerar a si próprio como o melhor para dirigir um grupo sem que esse grupo tenha sido consultado sobre sua preferência.
Auto-proclamação dos líderes
Infelizmente essa forma de ser dos partidos regressa neste contexto eleitoral deste ano. Em todos os partidos há uma auto-proclamação dos líderes como as pessoas mais queridas e mais ajustadas à direcção dos partidos. Nessa missão, os direitos são violados, os estatutos são ignorados, a única coisa que conta é o alcance dos objectivos singulares, usando para isso a falsa auto-legitimação. Na Frelimo há uma aparente resistência em admitir que existam outros com capacidade para dirigir. Tal como no passado, há nos hábitos do partido, a tentativa condenável de fazer pensar que o líder é único com capacidades e que ele é insubstituível, ou pelo menos, a sua substituição deve derivar da sua vontade e não das necessidades e vontades dos membros; igualmente, na Renamo, pela tradição de cargos vitalícios a que estamos habituados, há uma tendência do líder de desvalorizar as vontades dos seus membros invocando a auto-legitimação. O mesmo acontece em outros partidos de líderes vitalícios como o PIMO, o PDD, etc.
Alternativas para a governação
De qualquer das formas, uma postura democrática de um partido e de um líder implica o reconhecimento de que existem alternativas para a governação e que todos possuem as capacidades de conceber ideias, que todos têm um pensamento pessoal sobre como Moçambique deve ser governado para atingir o progresso. Todos os que se filiam a partidos políticos, o fazem por terem essa ideia, por possuírem essa convicção. É uma tremenda distracção um líder do partido achar que os outros membros só existem para o admirar e ovacionar. A maior desgraça para o futuro de um partido político é de ao invés de gerar críticos para o crescimento do partido, gera puxa-sacos e conformistas. Fechar as oportunidades aos outros que tentam oferecer outra visão sobre a gestão de partidos ou da coisa pública é, no mínimo, um acto de ditadura. E geralmente a ditadura não se compadece com o patriotismo. Os ditadores são sempre agentes ao serviço dos próprios interesses e nunca dos interesses colectivos.
É urgente que todos entendamos que num país democrático, todos os que têm ideias podem governar. Na governação democrática não existem intocáveis, inquestionáveis, nem existe competência absoluta. A discussão e o debate, o questionamento e a prestação de contas são sempre os motores de desenvolvimento integral de grupos sociais, económicos, políticos e de países. A opinião diferente é aliada da mudança e do progresso. O nosso país pode ter parado no tempo pela razão de haver ditadores nos partidos e na governação, disfarçados em democratas.
Por: Dr. Deolindo Paúa