Novo Testamento: Origem, Evolução e Composição

Novo Testamento: Origem, Evolução e Composição

Por: Pe. Cantífula de Castro

O Novo Testamento (NT) constitui o núcleo essencial da fé cristã, sendo uma das expressões mais importantes da Revelação de Deus em Jesus Cristo. Para a doutrina católica, o NT é mais do que um conjunto de livros históricos ou literários; trata-se da Palavra de Deus inspirada, escrita sob a inspiração do Espírito Santo e confiada à Igreja para sua protecção, interpretação e proclamação (cf. Dei Verbum, n. 11-13). Este texto visa refletir sobre a origem, evolução e composição literária do NT, destacando sua relevância doutrinária no contexto da fé católica.

1. Origem do Novo Testamento

O Novo Testamento nasce no contexto da experiência histórica de Jesus de Nazaré, o Verbo encarnado, cuja vida, morte e ressurreição fundamentam a nova Aliança. Essa Aliança, prefigurada no Antigo Testamento, é inaugurada por Cristo e é destinada a todos os povos (cf. Mt 26,28; Hb 8,8-13).

Os primeiros escritos do NT surgiram em resposta à necessidade de preservar e transmitir as palavras e acções de Jesus e o testemunho da comunidade apostólica. A Tradição oral foi o ponto inicial, onde os apóstolos e seus sucessores, impulsionados pelo Espírito Santo, pregaram o Evangelho (cf. At 2,42; 2Tm 2,2). Posteriormente, essa pregação foi registada por escrito devido à expansão do Cristianismo e à iminência da morte dos primeiros apóstolos.

A origem do NT está, portanto, intimamente ligada à missão da Igreja. Como afirma o Catecismo da Igreja Católica (CIC, n. 76), “a Tradição e a Escritura constituem um só depósito sagrado da Palavra de Deus”. Essa ligação entre a pregação apostólica e a composição dos textos sagrados reforça a dimensão divina e eclesial do NT.

2. Evolução: Formação do Cânone do Novo Testamento

A composição do NT não foi instantânea; tratou-se de um processo gradual. Desde os primeiros séculos, a Igreja discerniu quais escritos eram autenticamente inspirados. Este discernimento foi guiado por critérios como a apostolicidade (ligação direta ou indireta com os apóstolos), a ortodoxia doutrinária (conformidade com o ensinamento da Igreja) e o uso litúrgico (aceitação nas comunidades cristãs).

O cânone do NT, conforme definido pelo Concílio de Cartago (397 d.C.), contém 27 livros, organizados em três grandes blocos:

  1. Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João): apresentam a vida, a morte e a ressurreição de Cristo. Cada um possui um estilo e um público específico, mas todos convergem na proclamação de Jesus como Messias e Filho de Deus (cf. Jo 20,31).
  2. Atos dos Apóstolos: narra a história inicial da Igreja, destacando a missão dos apóstolos, especialmente de Pedro e Paulo.
  3. Cartas Apostólicas e o Apocalipse: as epístolas, especialmente as de Paulo, aprofundam a doutrina cristã, orientam as comunidades e encorajam a fé; o Apocalipse oferece uma visão escatológica e profética, reafirmando a soberania de Cristo sobre a história.

3. Composição Literária do Novo Testamento

O NT é uma colectânea rica e diversificada em sua composição literária, reflectindo diferentes géneros e perspectivas teológicas. Vejamos como se destacam as principais partes:

  • Evangelhos Sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas): seguem uma estrutura narrativa semelhante, abordando a vida de Cristo de maneira cronológica e catequética.
  • Evangelho de João: distingue-se por sua profundidade teológica, apresentando Jesus como o Logos eterno, enfatizando sua divindade (cf. Jo 1,1-18).
  • Atos dos Apóstolos: mistura narrativa histórica e teologia pastoral, revelando a ação do Espírito Santo na formação da Igreja.
  • Cartas Paulinas e Católicas: textos teológicos e pastorais, como Romanos, que destaca a justificação pela fé, e Tiago, que realça a importância das obras.
  • Apocalipse de São João: um exemplo de literatura apocalíptica, repleto de símbolos e visões que reafirmam a vitória final de Cristo e a esperança escatológica.

Essa diversidade literária reflecte a riqueza da Revelação divina e a pluralidade de contextos e destinatários da mensagem cristã.

4. Relevância Teológica e Doutrinária

O NT não é apenas um registo histórico; é a norma da fé e vida cristãs. Para a doutrina católica, ele deve ser interpretado à luz da Tradição e do Magistério, assegurando que sua mensagem permaneça íntegra e viva na Igreja (cf. CIC, n. 113-119). A unidade entre os livros do NT e sua relação com o AT revela a economia da salvação, na qual Cristo é o centro e a plenitude (cf. Lc 24,27; Hb 1,1-2).

Por outro lado, o NT inspira a liturgia, especialmente na celebração da Eucaristia, onde a Palavra e o Sacramento se encontram. Como ensina a Sacrosanctum Concilium (n. 7), a proclamação do Evangelho é presença real de Cristo, tornando a Escritura parte integrante da vida espiritual do fiel.

Conclusão

O Novo Testamento é a manifestação plena da Nova Aliança em Cristo, sendo o coração da Revelação cristã. Sua origem na experiência apostólica, sua evolução no discernimento eclesial e sua riqueza literária são expressões da acção contínua de Deus na história humana. Para a Igreja Católica, o NT é não apenas um documento literário, mas a Palavra viva que guia, sustenta e desafia a comunidade de fé a responder ao chamado de Cristo em cada época. Assim, a meditação e a vivência do NT são meios privilegiados para o encontro pessoal e comunitário com o Senhor, no horizonte da esperança escatológica.

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