Igualdade do género

Por: Dra Vânia Ermelinda Graciano
A luta das mulheres por igualdade e justiça é uma pauta histórica que atravessa séculos. Entretanto, apesar de todos os avanços, ainda nos deparamos com a triste realidade de que, muitas vezes, as próprias mulheres são coniventes com injustiças cometidas contra outras mulheres. Essa conivência, frequentemente disfarçada por diversas justificativas sociais e culturais, perpetua um ciclo de opressão e mantém viva uma estrutura patriarcal que, ironicamente, prejudica a todas.
Uma das formas mais visíveis dessa conivência é o julgamento moral que mulheres fazem umas das outras. Em muitas sociedades, ainda persiste a ideia de que a honra e o valor de uma mulher estão atrelados ao seu comportamento sexual e à sua aparência. Por meio de fofocas, críticas e julgamentos, mulheres acabam reforçando estereótipos de género, o que alimenta a misoginia (ódio às mulheres) e legitima a opressão. A crítica ao comportamento sexual de outras mulheres, por exemplo, além de ser uma expressão de controlo social, demonstra a internalização de valores patriarcais, onde o corpo e a sexualidade femininos são constantemente usados para fins comerciais (marketing), vigiados e policiados.
Outro aspecto dessa conivência se manifesta nas relações de trabalho. Em ambientes corporativos, é comum observarmos a reprodução de práticas discriminatórias por parte de mulheres em posições de poder, que agem de forma similar aos seus colegas masculinos. Muitas vezes, para se adaptarem ao ambiente competitivo e masculinizado, essas mulheres adotam posturas opressoras em relação a outras mulheres, seja através da não promoção de políticas de equidade, seja perpetuando um ambiente hostil para aquelas que estão abaixo delas na hierarquia. Essa prática, conhecida como “Síndrome da Abelha Rainha”, é um reflexo da pressão que as mulheres sentem para se conformarem às normas dominantes, mesmo que isso signifique prejudicar outras mulheres.
A conivência também pode ser observada em questões relacionadas à violência de género. Em muitas situações, as mulheres são desencorajadas por outras mulheres a denunciarem abusos, sendo orientadas a “manter a família unida” ou “não expor problemas pessoais”. Essa atitude é muitas vezes motivada por medo, vergonha ou pela crença de que a denúncia não trará mudanças significativas. Ao silenciarem outras mulheres, essas vozes coniventes perpetuam a impunidade dos agressores e reforçam a ideia de que a violência é um problema privado, e não uma questão de direitos humanos.
No entanto, é crucial reconhecermos que a conivência feminina não é uma questão de falha moral individual, mas sim um sintoma de uma sociedade estruturada pelo patriarcado. A socialização das mulheres para serem competitivas entre si, para se adequarem a padrões estéticos e comportamentais estabelecidos pelos homens e para aceitarem o status quo, cria um ambiente onde a solidariedade feminina é minada desde a infância. Essa divisão enfraquece o movimento feminista e impede a construção de uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária.
A superação dessa conivência passa, necessariamente, pelo fortalecimento da sororidade – a união e empatia entre mulheres baseada no reconhecimento das opressões comuns que enfrentam. É através da sororidade que as mulheres podem começar a desconstruir os padrões internalizados de julgamento e competição, substituindo-os por práticas de apoio mútuo, educação e empoderamento. A criação de espaços seguros onde as mulheres possam expressar suas dores, partilhar suas experiências e construir estratégias coletivas de resistência é fundamental para romper com o ciclo de conivência e avançar na luta por justiça social.
Além disso, é essencial promover a educação feminista desde cedo, tanto em ambientes escolares quanto no âmbito familiar. A conscientização sobre a importância da igualdade de género e o reconhecimento das estruturas de poder que perpetuam a opressão são passos fundamentais para que as mulheres possam identificar quando estão sendo coniventes com injustiças e, assim, possam agir de maneira diferente. Isso inclui, por exemplo, questionar e reverter práticas que reforçam estereótipos de género e promover a autonomia e o empoderamento das mulheres em todas as esferas da vida.
Contudo, a conivência das mulheres frente às injustiças cometidas contra outras mulheres é um desafio complexo e multifacetado, profundamente enraizado nas estruturas patriarcais da sociedade. Para que possamos avançar na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, é imprescindível que as mulheres reconheçam e rompam com essa conivência, adotando posturas de sororidade e resistência coletiva. E assim será possível transformar a cultura de opressão e alcançar a tão almejada justiça para todas as mulheres.