Ser mediadores de conflitos

Por: Achegar Tiodósio Matias
As manifestações populares em Moçambique têm mostrado uma contradição entre a garantia constitucional dos direitos humanos e a realidade de sua prática.
Eventos recentes, marcados pela repressão violenta de protestos e pela falência das instituições em mediar conflitos, mostram como o Estado ainda não conseguiu consolidar os princípios democráticos que defende.
Desde Outubro de 2024, Moçambique testemunhou mais de 250 mortes em manifestações, um índice alarmante que expõe a fragilidade das relações entre governantes e governados.
O direito à vida e à liberdade de expressão, consagrados nos artigos 40 e 51 da Constituição da República, foram desrespeitados em manifestações que deveriam ser espaços de participação activa dos cidadãos.
Contudo, a intervenção violenta das forças de segurança transformou essas manifestações em cenários de confronto. Em muitos casos, como nos protestos que se seguiram às eleições de Outubro, a repressão foi acompanhada de mortes indiscriminadas, ampliando a sensação de desconfiança em relação às instituições do Estado.
A rebelião na Cadeia Central de Maputo que culminou com a fuga de cerca 1.500 reclusos e na morte de 33 pessoas incluindo agentes penitenciários, ilustra não apenas a falha do sistema prisional, mas também a ausência de estratégias de prevenção e gestão de crises por parte das autoridades. A situação é agravada pelo discurso oficial que frequentemente associa os manifestantes à desordem, ignorando as causas legítimas que motivam os protestos.
João Feijó, economista, argumenta que as manifestações reflectem não apenas um descontentamento imediato, mas um acúmulo de frustrações decorrentes da marginalização política e económica de grande parte da população. A ausência de canais eficazes de diálogo leva ao que Feijó chama de “justiça revolucionária” — situações em que os cidadãos tomam para si a responsabilidade de resolver conflitos, muitas vezes através de acções violentas.
Essa “justiça revolucionária” pode ser observada em manifestações que evoluíram para saques e linchamentos, expondo um sistema em que a violência é vista como o único meio de obter justiça ou de chamar atenção para situações não atendidas. Além disso, a falta de responsabilidade por parte das forças de segurança — muitas vezes protegidas pela impunidade — cria um ciclo vicioso de repressão e revolta.
Caminhos para a Reconstrução Democrática
O que pode ser feito para romper esse ciclo? Primeiro, é essencial que o Estado moçambicano assuma a responsabilidade de garantir o direito à manifestação pacífica, capacitando suas forças de segurança para actuarem como mediadoras de conflitos, e não como agentes de repressão. Isso exige uma revisão dos protocolos de actuação policial e a criação de mecanismos independentes para investigar abusos.
Segundo, a sociedade civil deve ser fortalecida para actuar como ponte entre o Estado e os cidadãos. Organizações não governamentais, igrejas e outros grupos comunitários podem desempenhar um papel importante na mediação de conflitos e na promoção de diálogos construtivos.
Por fim, é necessário um investimento sério em educação cívica, para que os cidadãos compreendam os seus direitos e deveres, e para que os líderes políticos e institucionais sejam responsabilizados por suas acções. Sem isso, os princípios democráticos continuarão sendo uma promessa distante para a maioria da população.