USO DA MÚSICA PARA COMBATER VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Grupo de cantoras africanas usa música para combater a violência contra a mulher
Por Natália da Luz
De Bamako, no Mali, um grupo de cantoras usa a música para combater a violência contra mulheres que vivem bem longe dali. Em Kivu do Sul, na República Democrática do Congo, o abuso sexual contra meninas e mulheres é crescente e usado como arma de guerra. Para chamar a atenção do mundo sobre violações que acontecem contra as congolesas, ‘LesAmazones d’Afrique‘ cantam pelo fim da violência e impunidade.
-Esse projeto veio num momento em que estávamos fartas de situações terríveis contra mulheres de todo o mundo. Em campos de batalha, a violência sexual é utilizada como um meio para desintegrar comunidades. As mulheres têm sido maltratadas por muito tempo. Pode parecer ingênuo, mas acreditamos que a música pode aliviar a dor – disse Pamela Badjogo em entrevista exclusiva ao Pordentro da África .
O grupo foi formado há um ano em Bamako, quando MariamDoumbia, Pamela Badjogo e MariamKoné uniram suas vozes, baterias, guitarras, baixos e koras (uma harpa mandinka construída a partir de uma grande cabaça cortada ao meio e coberto com pele de vaca). Depois, MamaniKeita, KandiaKouyate, Nneka, InnaModja, Imany, RokiaKoné e MouneissaTandina completaram o grupo que canta “I playtheKora”, um hino de igualdade e de reconciliação entre homens e mulheres.
“Homem, os nossos problemas e dores são as nossas armas e nós, mulheres, queremos partilhá-las contigo.”
Além da composição lançada em junho, elas criaram uma campanha de crowdfunding, cujas receitas contribuirão para financiar cirurgias da Fundação Panzi, criada em 1999 pelo ginecologista Denis Mukwege, indicado ao Nobel da Paz. O congolês que é herói de milhares de mulheres escravizadas física e emocionalmente, tem a sua missão contada no documentário O homem que conserta as mulheres.
Dr Denis Mukwege no hospitalPanzi, na República democrática do Congo – Divulgação
Por conta do seu trabalho, ele se tornou o maior especialista em danos provocados por violações, chegando a trabalhar mais de 18 horas por dia fazendo mais de 10 cirurgias. No total, em 15 anos, cerca de 40 mil mulheres já foram operadas pela equipe de Mukwege. E muitas mais ainda serão atendidas, já que o trabalho do hospital permanece.
O contexto de guerra que caracteriza a República Democrática do Congo, sobretudo o leste do país, fez
das mulheres e meninas seus principais alvos. O estupro em massa praticado por soldados e rebeldes é rotineiro, e as crianças-soldado também são vítimas dessa trágica guerra. Com isso, as mulheres têm perdido o seu lugar na sociedade, após serem estigmatizadas e rejeitadas. Os estupros, muitas vezes, envolvem facas e objetos perfurantes que não apenas atingem a vagina. Nesses ataques, muitas mulheres perdem a vida ou ficam com a saúde e a vida sexual comprometidas.
-Acreditamos que a música pode contribuir para a mudança de mentalidade, que ela possa se transformar em um ativo para a mudança social, seja na República Democrática do Congo ou em qualquer outro lugar. Estamos otimistas com a repercussão do nosso trabalho. Torcemos para que o governo do Mali também se envolva para lutar contra a violência em zonas de guerra – ressaltou Pamela.
Riqueza musical no Mali
A música do Mali é diversa e repleta de influências das culturas mandinga, fula, songai e tuareg, por exemplo. À frente do ‘LesAmazones d’Afrique’, um dos nomes mais famosos malineses é MariamDoumbia, da dupla Mariam e Amadou. Da nova geração, InnaModja é a principal representante.
-Algumas de nossas canções lidam com a feminilidade e como também temos que ganhar o respeito das pessoas. No Mali, enfrentamos, diariamente, alguns preconceitos quando não aceitamos as diferenças. Um dos maiores desafios para as mulheres na África Ocidental talvez seja permanecer na escola, lutando contra a cultura do casamento precoce – contou Mariam.
“Não me proíbam de ir à escola.quero aprender como contar, como escrever.”
O primeiro disco do grupo, que está sendo gravado em Paris e Bamako, será lançado no início de 2017. As 13 faixas misturam línguas da Nigéria (igbo), Mali (bambara) e Senegal (wolof). Em todas elas, está o som do kora, que também é tocado na Guiné Conacri, Guiné-Bissau, Burkina Faso e Gâmbia. Com suas koras, ‘LesAmazones d’Afrique’ saem em turnê em homenagem às mulheres de todo o mundo.
“Nós, mulheres, queremos construir um mundo melhor. O futuro de África também pode ser feminino.”