O drama de Cabo Delgado

O drama de Cabo Delgado

Por Dr. Deolindo Paúa

O drama de Cabo Delgado deixa qualquer cidadão consciente, preocupado, pois, o nosso destino não pode ser definido pelo egoísmo de um grupo de pessoas. O nosso destino deveria pertencer-nos, não apenas como uma sociedade, mas sobretudo como um Estado soberano.

Ninguém deveria ser condenado a abandonar a sua casa e os seus bens para vaguear no nada à procura de um destino incerto. A nossa sensibilidade como seres humanos já deveria ter sido reposta com os vários sofrimentos que passámos. Realmente, passámos por muitas guerras, como moçambicanos. Desde o início da colonização, escasseia a paz.

Mas por outro lado, pela nossa experiência de gestão de conflitos, deveríamos ter melhorado e adoptado uma abordagem razoável de comunicação com o público. Até aqui, o que ouvimos como cidadãos sobre Cabo Delgado são trocas de acusações. De um lado uma sociedade civil e uma imprensa que acusam as Forças de Defesa e Segurança de inoperância. Do outro lado, as constantes conferências de imprensa do governo para rejeitar as acusações e assumir o seu activismo no terreno e denunciar a desinformação dos primeiros.

 

Gestão de conflito baseada na autoimagem

A estas alturas já devíamos ter abandonado um modelo de gestão de conflitos baseado na auto-imagem como parece ser o caso. As nossas acções como Estado deveriam ser tendentes a garantir a soberania e os direitos dos cidadãos. Aliás, que Estado seríamos, se a nossa prioridade não fosse a de defender a dignidade de nossos cidadãos? O que constatamos neste momento é que há refugiados em muitas províncias do país, vindos de Cabo Delgado à procura de segurança. Então perguntamos: a situação em Cabo Delgado está ou não controlada?

O que vemos e o que ouvimos como sociedade provoca-nos confusão e não nos deixa perceber o que se passa realmente nas terras do Norte de Cabo Delgado. Infelizmente estamos numa época em que pelas tecnologias de informação, as pessoas relatam tudo. Nesses relatos, verdades e mentiras vão sendo veiculadas. A porta para a desinformação pode justamente ser esse antagonismo: entre uma autoridade que nega factos ocorridos, interessada em limpar a sua imagem para ganhar as eleições, e uma imprensa supostamente interessada em exagerar nos relatos. Em quem se pensa que o povo vai acreditar? Precisamos de colocar os interesses nacionais acima de tudo.

 

A desinformação nunca é solução

Nenhuma desinformação evitou que as pessoas morressem. Do mesmo jeito, defender a imagem de um governo inoperante em vez de defender o povo, jamais será solução. Negação de factos e descredibilização da imprensa jamais evitou mortes. É assumindo a verdade que se podem construir estratégias de remoção de um obstáculo aos direitos humanos. Apesar da teimosia dos factos, as nossas autoridades parecem comprometidas com a promoção da própria imagem. Com elas todos nós diante do horror aos nossos olhos, preferimos pontapear a verdade e vivermos como se nada estivesse a acontecer.

 

Ambição política mata a moral

A guerra provoca o desespero das pessoas a quem afecta. Por isso, o que elas esperam não é necessariamente discussões e sobre quem tem razão nelas. O que elas esperam são acções concretas que lhes tirem essa aflição. Por debaixo do fogo provocado pela guerra, receio que haja um cidadão aflito interessado em saber quem tem razão na discussão sobre o tamanho de seu sofrimento. A sua única preocupação é a sobrevivência. A nossa ambição política já matou a nossa moral. Não deixemos que mate também a nossa sensibilidade sobre a vida e sobre o sofrimento das pessoas que fogem de uma guerra cujas motivações desconhecemos.

Negar factos pode ser politicamente correcto, mas jamais será estratégia quando os factos contradizem esses factos. Entre esta aposta no politicamente correcto que as nossas autoridades preferem, ao abordar o assunto de Cabo Delgado, há factos que teimam em nos surpreender.

 

Todos no mesmo barco

Supostamente o drama não é apenas do povo que foge, aterrorizado. É também das nossas forças militares visivelmente desmotivadas por causa de problemas logísticos que envolvem além de alimentação, dificuldades de equipamento militar.

Continuamos a investir o nosso melhor armamento para a protecção de pessoas singulares, de altas individualidades. Continuamos a investir melhor igualmente nas nossas forças para conter manifestações pacíficas de cidadãos descontentes. Mas talvez não investimos, ou pelo menos não alocamos a técnica adequada num conflito que devia ser levado a sério por afectar a nossa soberania. É uma estranha forma de gestão de uma guerra extremamente assassina. Como cidadãos, não estamos interessados na suposta desinformação de alguma imprensa, mas também não estamos interessados numa FDS falante e não operante. As vidas de Cabo Delgado também são humanas!

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