“Toda a população quer que aquela guerra acabe”
“Toda a população quer que aquela guerra acabe”
Luiz Lisboa, Bispo de Pemba, no mês de Fevereiro foi nomeado, pelo Papa Francisco para dirigir a diocese brasileira de Cachoeiro de Itapemirim. O Papa Francisco concedeu-lhe ainda o título honorífico pessoal de Arcebispo.
Nos primeiros dias de 2020, aumentaram rumores da tragédia em Cabo Delgado, de grupos de terroristas que assolam o norte da província, desde Outubro de 2017, massacrando gente e incendiando aldeias. Mas a região foi fechada pelas tropas e não havia jornalista que conseguisse passar; ouviam-se apenas relatos isolados. Até que, finalmente, o bispo de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa, veio a público denunciar a escala da tragédia, com uma maré de refugiados que fugia de suas casas e inundava a capital provincial, precisando de ajuda imediata. Já havia pelo menos 500 mortos na província, garantiu o bispo, cuja mensagem ressoou na imprensa internacional.
A coragem da denúncia
Não foi uma denúncia sem consequências. Dom Luiz foi acusado de alarmismo, “bispo semeia ódio”, acusava um jornal moçambicano, que apelava à sua expulsão do país.Desde então, registaram-se milhares de mortos, com centenas de milhares de deslocados. Até que o Presidente da República, Filipe Nyusi, teve um encontro amigável e esclarecedor com Dom Luiz, durante uma visita à cidade de Pemba, que acalmou as águas dos que queriam o afastamento imediato do bispo.
Papa Francisco está connosco
Dom Luiz entrevistado pela agência Eclesiafez estes pronunciamentos: “O Papa tem muitas informações, que às vezes nem nós mesmo temos. O Papa mostrou-se muito preocupado com a situação de Moçambique, procurou estar muito próximo, enviou ajuda, telefonou, chamou-me para falarmos de frente sobre a situação e achou melhor que eu saísse e fosse trabalhar para outro lugar”.
Dom Luiz Lisboa considera que a Igreja “quando fala, incomoda”, o que aconteceu em muitos momentos da história de Moçambique, na divulgação de documentos e comunicados da Conferência Episcopal do país, e agora nos pronunciamentos sobre os conflitos armados em Cabo Delgado. “Essa guerra incomodou, porque nós nunca deixamos de falar dela, de expor a Moçambique e ao mundo o que se passava em Cabo Delgado”.
O lema episcopal de Dom Luiz diz “Evangelizarepauperibus; evangelizar os pobres”. Todos sabemos que evangelizar não é doutrinaruma pessoa, mas sim, anunciar o evangelho, que quer dizer Boa Nova. Dom Luiz testemunhou o anúncio da Boa Nova para todas as comunidades da diocese de Pemba e em particular aos deslocados de guerra que verdadeiramente são os mais “pobres”. Desejamos a Dom Luiz um corajoso apostolado na nova diocese no Brasil e ao Administrador Apostólico de Pemba, Dom António Juliasse Ferreira Sandramo até então auxiliar de Maputo, um profícuo apostolado em comunhão com toda a igreja de Pemba.
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Após tantos anos em Pemba, quão difícil vai ser a despedida?
“É uma sensação um pouco de dor, porque eu amo muito aquele povo, e sempre quis ser missionário em África. Mas também saio com a tranquilidade que fiz aquilo que podia ter feito. A nossa vida é a missão, e é missão em qualquer lugar. Você vai e continua o trabalho… Sim, é um pouco complicado sair agora. Mas todos os missionários e missionárias em Pemba procuram dar o máximo de si para ajudar as pessoas que estão deslocadas naquela guerra. Então o bispo sai, vem outro, e os missionários e missionárias continuam a seguir”.
Pode dizer-se que você foi das primeiras vozes a expor o que se vivia na província?
“Na verdade, a voz da Igreja sempre esteve presente. Nós nunca deixámos de falar. E isso ajudou a chamar a atenção, a despertar Moçambique e algumas pessoas noutras partes do mundo. Penso que esse é o trabalho da Igreja. Ser voz daqueles que não têm voz, fazer a sua parte na construção de um mundo melhor”.
Nos últimos meses a sua actividade focalizou não apenas na pastoral, e passou a focar-se no apoio à maré de gente que chegava à cidade?
“Sim, mas isso também é pastoral. Esse é o trabalho da Igreja. Jesus ele pregava, mas também ele curava os doentes, dava pão para quem tinha fome. Então as pessoas que acham uma coisa especial, quando a Igreja faz um trabalho social, quando a Igreja fala a verdade. Jesus fazia tudo isso. Quer dizer, evangelizar não é só pregar a palavra de Deus. A palavra de Deus se prega também com atitudes concretas. Quando havia uma multidão seguindo Jesus, ele disse aos discípulos: ‘Dai vós mesmos de comer a essa gente’. E com os discípulos ele ensinou a multidão a repartir. E houve pão, e sobrou, e todo o mundo comeu. Eu penso que nós precisamos de ajudar a sociedade hoje a repartir mais. Se houvesse mais partilha, ninguém passaria fome. Se houvesse mais recursos, ninguém morreria; mesmo agora nesta situação de vacinas. Não é justo que os países mais ricos corram a vacinar todo o mundo e deixem África e outros lugares para último. São pessoas que importam. É preciso que haja essa fraternidade maior, que nós nos preocupemos uns com os outros”.
Você nunca se referiu a guerra em Cabo Delgado como uma insurreição islâmica, salientando sempre que muçulmanos estão a ser mortos pelos insurrectos, tal como cristãos. Vê-se uma preocupação para fomentar a coexistência pacífica entre religiões?
“Essa preocupação quanto ao diálogo entre religiões existe, e é uma das grandes questões fundamentais, como tem salientado o Papa Francisco. Veja que ele tem ido ao encontro de muitos grandes líderes religiosos, e vai agora novamente, ao Iraque. Porque a religião é muito importante no mundo todo. Em Moçambique, nós nunca tivemos um problema entre religiões, há uma boa convivência, há trabalho em conjunto. A capa que tentam colocar na guerra, como se fosse uma guerra religiosa, não é verdadeira. Podem usar o nome de Deus, o nome de Alá, mas o que está por trás disso são interesses económicos, isso é o principal”.
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Dom Luiz Lisboa é natural do Rio de Janeiro, tem 65 anos de idade, é membro da congregação dos Passionistas, onde se formou, tendo sido enviado para Moçambique em 2001.
O Papa Francisco nomeou-o bispo de Pemba a 12 de Junho de 2013, destacando-se, nos últimos anos, na defesa das populações da província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, alvo da violência de grupos que se declaram ligados ao Estado Islâmico.
Luiz Lisboa foi nomeado bispo da diocese de Cachoeiro de Itapemirim, que abrange 27 municípios do Sul do Estado do Espírito Santo. Papa Francisco concedeu-lhe o título honorífico pessoal de Arcebispo como sinal do “carinho ao povo de Cabo Delgado e à Igreja de Moçambique”.